sábado, 27 de junho de 2009

Mordaça Gay?

MORDAÇA GAY?
A Liberdade de Expressão, os Evangélicos Fundamentalistas e o PLC 122


"Hoje, mais do que nunca, as pessoas têm certeza de possuir Liberdade absoluta; todavia, elas trouxeram sua liberdade até nós e a depositaram humildemente a nossos pés".
O Grande Inquisitor, de Dostoievski.


No dia 30 de maio de 2009, o jornal "O Estado de São Paulo", conhecido como "Estadão", trouxe a matéria intitulada "Sem alterações, Senado não aprova lei anti-homofobia"
. A avaliação contida na chamada é da Senadora Fátima Cleide (PT-RO), relatora do PLC 122 no Congresso Nacional. A razão da provável não aprovação do texto original do PCL 122 no Senado Federal é a posição contrária da chamada "bancada evangélica" ao PLC 122, que na visão deles, instauraria uma "ditadura gay" no país. Foram eles que apelidaram o PLC 122 de "Mordaça Gay", usando tal equivocado apelido para mobilizar a população brasileira contra o PLC 122.

Segundo os parlamentares evangélicos fundamentalistas, o PLC 122, criminaliza a opinião deles de que a homossexualidade é um pecado contra Deus, segundo as Escrituras Cristãs. A senadora Fátima Cleide, diz que já existe um acordo no sentido de retirar do texto o tema. Os parlamentares evangélicos estão contra o Art. 20 proposto pelo PCL 122 que altera a Lei 7.716/1999. Diz o Artigo 20: "Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero: Parágrafo 5º: o disposto neste artigo envolve a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de *ordem moral, ética, filosófica ou psicológica*". Mas este não é o único artigo que encontra resistência entre os evangélicos fundamentalistas; outros, que determinam a não-discriminação por troca de afeto entre iguais em local público, também é motivo de discordância.

É preciso que fique claro que o substitutivo que eles, os parlamentares evangélicos fundamentalistas proporão (liderados por Marcelo Crivella e Magno Malta), não alterará somente o artigo 20 acima transcrito, mas outros de igual modo. Sobrará muito pouco do texto original, caso o substitutivo deles vença a disputa.

Os evangélicos fundamentalistas e seus representantes no Congresso Nacional, dizem que o PLC 122 fere o que eles chamam de "liberdade de expressão", criando uma categoria "intocável" de cidadãos, segundo discurso do Pastor Silas Malafaia, influente pregador evangélico brasileiro, um dos maiores opositores ao avanço dos direitos civis LGBT, dentre outros, como Rev. Guilhermino Cunha (presbiteriano) e Nilson do Amaral Fanini (batista).

Cabe aqui a reflexão: o que é, numa democracia, liberdade de expressão? É o direito de dizer, de manifestar, nos diversos módulos de linguagem, o que quiser, sem respeitar o direito do outro? Numa democracia, vale dizer o que pensa, seja lá o que for que pensa, a respeito do cidadão alheio? Isso não se parece mais como pressuposto de uma ditadura, onde um só ou uma minoria tem o poder de regular a vida alheia?

Crer, como muitos, que uma democracia é uma sociedade livre, onde vale tudo, é um equívoco! Jamais existirá algo parecido: uma liberdade geral e total, onde é possível dizer e se comportar socialmente como convém a cada um. Democracia verdadeira se instala quando liberdades e não-liberdades fazem parte do chamado pacto social. "A Democracia exige que as "Liberdades civis" sejam protegidas por direitos legalmente definidos e por deveres a eles correspondentes, que acabam implicando **limitações da Liberdade**" (Felix E. Oppenheim – verbete "Liberdade", Dicionário de Política, BOBBIO e outros, UNB 2002, 12ª edição).

O discurso evangélico fundamentalista de que a aprovação do projeto original do PLC 122 fere a "liberdade de expressão" é um falso discurso, portanto! Liberdade de expressão, numa democracia, não é sair por ai dizendo o que tem na cabeça a respeito de tudo e todos; ao contrário, numa democracia de fato, a liberdade de expressão é seguida da responsabilidade social. Aliás, é limitada por ela! Liberdade de expressão não é passaporte seguro para destilarmos os preconceitos que temos e eles são muitos! Liberdade de expressão não permite que um cidadão humilhe outro, o constranja, o intimide, fira a consciência alheia, o exponha ao vexame ou incite, pelo discurso, preconceito, ódio, exclusão, discriminação ou qualquer coisa que se parece com isso.

E, se eles, os evangélicos fundamentalistas, dizem que não procedem assim em relação aos LGBTs estão mentindo e aí sim, pecando, segundo o que eles pregam, contra Deus. Pois o próprio Silas Malafaia, realiza este tipo de discurso, quando compara, em suas pregações, os LGBTs com os viciados em drogas, ladrões e profissionais do sexo. Não foi nem uma nem duas vezes que eu mesmo já ouvi na TV e em DVD, ele dizendo: "se o viciado em drogas deixa de ser viciado em drogas; se um ladrão deixa de roubar; se uma prostituta deixa de se prostituir; um homossexual pode deixar o homossexualismo (sic)". É este tipo de discurso que eles querem preservar. Isto é liberdade de expressão? Onde? Só aqui mesmo em nosso país, cuja legislação não avança no sentido de proteger a liberdade social e o direito civil da população LGBT!

Pregações como essa alimentam a homofobia; incitam ao preconceito e ao ódio, por mais piedosa que seja as declarações eivadas de cinismo desses pregadores que dizem: "amamos o pecador e abominamos o pecado", como se fosse possível separar ação de agente! Pregações como essa estão por trás de cada mão que assassina; de cada agressão verbal; de cada agressão física; de cada vexame; de cada suicídio; de cada pai e mãe que expulsam seus filhos e filhas de casa porque são gays.

Garantir o direito desses senhores continuarem a dizer coisas como diz Silas Malafaia e seus pares em relação aos homossexuais, fere o ideal democrático. Fere a minha liberdade de ser, uma vez que faz parte de mim ser homossexual. Fere a minha dignidade humana, que deve ser garantida pelas leis do meu país, já que o meu país declara-se um país democrático.

Eles chamam o PLC 122 de "mordaça gay" porque querem garantir o "direito" deles de amordaçar quem não segue suas opiniões. Quem tem usado mordaça e durante séculos neste país, somos nós, os LGBTs. Temos usado mordaça quando não podemos acionar criminalmente ou no âmbito do Direito Cível ou Trabalhista quando somos atacados, humilhados, vilipendiados, por discursos religiosos de pastores fundamentalistas como Silas Malafaia ou por opiniões como de Júlio Severo. Somos amordaçados quando o empregador inventa alguma coisa que vai implicar numa demissão sumária, quando na verdade ele está demitindo porque o cidadão é homossexual. Somos amordaçados quando através de textos, sites, programas de rádio e televisão cuja assistência conta com milhões de brasileiros e brasileiras, somos comparados com traficantes de drogas, viciados e ladrões. Somos amordaçados quando nos matam; quando tiramos nossas vidas num ato de desespero diante de tanta discriminação e preconceito. Somos amordaçados quando nos atacam fisicamente por sermos homossexuais ou quando aos berros nos xingam pelos lugares. Somos amordaçados, enfim, quando substitutivos ao PLC 122 é proposto com grande margem de sucesso de aprovação, por quem acha que a Constituição Brasileira deve seguir uma determinada leitura – jamais a única – das Escrituras Cristãs, que é exatamente o que os parlamentares fundamentalistas estão fazendo!

Se for aprovado o substitutivo proposto por Marcelo Crivella e Magno Malta, estaremos realizando o pesadelo fictício de Dostoievski, narrado na grande obra "Os Irmãos Karamazov" cujo trecho ilustra o início deste artigo: depositaremos aos pés dos grandes inquisidores evangélicos fundamentalistas, a nossa liberdade. Pesadelo maior que esse pra uma democracia é difícil de encontrar concorrente. A Democracia que se pretende verdadeira, não maquiada, pressupõe liberdade igual para todos os cidadãos; não mais liberdade para alguns. Atualmente, nós, o povo LGBT do Brasil, não fomos alcançados pelos raios do sol da liberdade que cantamos em nosso Hino Nacional. Estamos amordaçados há séculos!

Reverendo Márcio Retamero

Comunidade Betel do Rio de Janeiro

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Para quem sabe urinar, um pingo é letra!
Alivie o estresse e urine suas idéias no seu comentário!