quinta-feira, 30 de abril de 2009

Nem Abelhas e nem Zumbis (MANIFESTO!)


NEM ABELHAS E NEM ZUMBIS


Manifesto contra o Projeto de Lei 2204/2009, do Deputado Estadual Jorge Babu


Chamado de “Colméia” por estar quilômetros abaixo da terra, um laboratório nos Estados Unidos é palco de um grande desastre científico. Uma sabotagem faz com que um vírus mortal e contagioso contamine a todos os cientistas que lá trabalhavam motivo pelo qual Alice e Rain recebem a missão de invadir a “Colméia” e conter a disseminação da catástrofe. Entretanto, os jovens são surpreendidos pelo fato de os cientistas contaminados pelo vírus mortal não terem propriamente morrido, mas, antes, terem se transformado em zumbis devoradores que, dentro do próprio laboratório, buscam as suas vítimas.

A história acima é apenas a sinopse do filme Residente Evil, uma mega ficção científica, porém poderia muito bem ilustrar o enredo de um dos últimos projetos de lei do deputado estadual Jorge Babu. O deputado, provavelmente fã de Paul W. S. Anderson e de outras produções de ficção científica, como “Eu sou a Lenda”, pretende criar um banco de dados com os “zumbis” do Estado do Rio de Janeiro. Sim, “zumbis”, seres distintos da espécie humana, vetores de um vírus potencialmente contagioso e que precisam ser catalogados, cadastrados, expostos, isolados, excluídos do direito ao privado e à mercê do público. Refiro-me aos soropositivos, aqueles que possuem o vírus HIV, e ao projeto de lei do referido deputado que, em nome do princípio da isonomia, pretende divulgar no site da Secretaria de Saúde os nomes de todos os cidadãos portadores do vírus HIV/AIDS, em todo Estado do Rio de Janeiro. Não, isto não é um pesadelo. É, sim, a ficção de Paul W. S. Anderson levada a projeto na Assembléia Legislativa do Rio.

A cena que abre a ficção do Resident Babu é esta: Um jovem rapaz, com dificuldades em lidar com a condição de soropositivo, esconde da família e dos amigos – porque é direito seu – a condição de portador do HIV/AIDS. Em um dos péssimos dias que tem passado, sua mãe, que é uma internauta, ouve de uma amiga que o Estado do Rio de Janeiro dispõe de um serviço de listagem dos portadores do vírus da AIDS e resolve acessar o site da Secretaria de Saúde. É quando descobre que, entre os milhares de nomes divulgados em domínio público, está o do seu filho. A senhora começa a passar mal, é levada ao hospital, onde vem a falecer. Qual a classificação do filme? Drama ou comédia? Isso é piada? Faltou o bom gosto e o bom senso no cinema do deputado Jorge Babu.

Aliás, posso afirmar que faltou muita coisa nesta película da vida real. Em primeiro lugar, faltou ouvir instituições que lidam com pessoas soropositivas. Deveriam ser elas, antes de mais nada, as primeiras a opinarem nas medidas para promover o bem estar dos cidadãos portadores do vírus da AIDS. Desconheço, até então, o que a ABIA/RJ tem a dizer sobre o referido projeto de lei e tenho certeza que ela sequer foi consultada. Posso apostar, com largo risco de ganhar, que o referido deputado desconhece a existência e/ou o trabalho desenvolvido por esta renomada instituição. Onde estão as universidades e os cursos da área da saúde para impedir esta catástrofe jurídica? Também desconheço a opinião dos familiares e amigos dos soropositivos nos parágrafos do deputado. Sustento que na justificativa do projeto de lei de Jorge Babu deveria haver um manifesto de cidadãos soropositivos solicitando uma lista com seus nomes completos na Internet bem como o CPF. Se não há sequer uma manifestação de apoio aos artigos e à justificativa do deputado, presumo que sua intenção é, no mínimo, preconceituosa.

Faltou também a falta de compromisso com a ética dos profissionais da saúde. Jorge Babu afirma que é “notório e sabido certo despreparo de enfermeiros, médicos, bombeiros, socorristas, bem como da falta de materiais e instrumentos imprescindíveis ao atendimento emergencial. [...] todos esses profissionais [...] possuem o direito, constitucional, de saber estar tratando de um cidadão soro-positivo, que por essa mesma condição, exige cuidados especiais”. Ora, em primeiro lugar, o parlamentar foi audaz em desqualificar o compromisso dos profissionais da área da saúde, generalizando os maus atos e as falhas operacionais que existem nesta área específica, bem como em qualquer área e em qualquer profissão. Em segundo lugar, não se pode, em função de um déficit qualitativo de uma determinada parte do serviço de saúde do Estado, tornar este mesmo déficit motivo substancial para se outorgar uma lei, como se ele fosse a regra geral que norteia todos os profissionais da biomedicina, da enfermagem ou dos laboratórios de análises clínicas. Em terceiro lugar, o que Jorge Babu deixa claro em seu projeto de lei é, pelo menos, a institucionalização do cinismo do serviço público e do Parlamento Estadual. Ao invés de oferecer uma melhor formação, melhor qualificação, melhores salários, melhor fiscalização dos serviços prestados pelo Estado, dá-se um “jeitinho”, adaptando a vida daqueles que já sofrem com o despreparo profissional – de acordo com as palavras de Babu – à sua falta de humanização. Em outras palavras, se o serviço de saúde é uma porcaria, reconhecemos através da lei que não somos competentes para melhorar, e deixemos o paciente – que é o de menos – se virar com a nossa falta de profissionalismo. Que fique clara aqui a moral deste épico cinematográfico da vida real: Isto é desrespeito! Isto é vergonhoso!

Inspirado em Eu sou a Lenda, o filme estrelado por Will Smith, Jorge Babu pretende segregar os cidadãos do Estado do Rio de Janeiro que, por um aspecto, são diferentes dos demais, isto é, porque são soropositivos. Entretanto, Babu eleva esses cidadãos à categoria de bombas patológicas que devem emitir alertas – crachás de identificação, lista pública de nomes em site etc – para que nenhum dos demais cidadãos seja atingido pela doença que, confinada dentro da pele, periga sair pelos poros das pessoas, tal qual um garçom que, tendo a bandeja uma dúzia de taças de vinho cheias até a borda, transita pelo salão de festas equilibrando o prato de metal, correndo o risco de manchar a blusa de alguém que foi convidado para a festa pobre, da qual falava Cazuza. O garçom que carrega as taças de vinho, na visão de Babu, deve se vestir com um uniforme bem diferente, para que todos saibam que ele carrega acima de suas cabeças – mas também de sua profissão, de sua dignidade, de seu caráter, de sua fé, de sua história – taças com um vinho diferente e perigoso. Não seria mais correto fornecer uma formação de excelência ao garçom, para que ele possa ser uma pessoa consciente de seu ofício, carregando menos taças ou não as enchendo até a borda? Ou ainda, treinar os futuros garçons para que, utilizando de métodos preventivos, saibam do risco que é portar um vinho contagioso e, assim, serem mais cautelosos ao encherem as taças em suas adegas? Mas não! Ao invés disso, Jorge Babu prefere transformar cidadãos em perigosos e potenciais assassinos biológicos, como se não se pudesse evitar a transmissão do HIV/AIDS à classe de médicos, bombeiros e enfermeiros, por aqueles cidadãos, caso os ditos profissionais usassem os procedimentos adequados ao terem contato direto com material sanguíneo.

Faltou ainda inteligência logística à idéia do nobre deputado. Supondo-se que sua idéia fosse minimamente proveitosa e, ainda que a dita lista seja aprovada e todos os portadores do vírus da AIDS estivessem com seus nomes e CPF’s no site da Secretaria de Saúde, e tivessem uma “identificação própria”, como ele sugere, não se poderia ignorar o despreparo profissional que o próprio deputado aponta no seu projeto de lei. Porque se assim for, os enfermeiros e bombeiros estariam livres do vírus da AIDS, mas e em relação às demais doenças cuja transmissão também se faz através do sangue? Então a regra é essa? “O paciente é soropositivo? Bom, então devemos ter cuidado... Oh, este não é soropositivo, então podem fazer o atendimento à moda babu!”. Caro deputado, a excelência no atendimento deve ser o mínimo que um paciente portador do vírus HIV pode receber do SUS, mas o cuidado é condição sine qua non para que um profissional seja da área da saúde e atenda a qualquer um com este mesmo cuidado. Caso esse serviço não seja do seu agrado, faça um projeto de lei que vise à melhoria do sistema de saúde do Estado. Mas não se preste a esse papel infame. Tenha o mínimo de consideração com seu curral eleitoral da Zona Oeste do Rio, aqueles que, por inocência ou consciência, confiaram seus votos à sua eleição.

O deputado Jorge Babu utiliza-se de um princípio constitucional para dar legitimidade ao seu projeto: a isonomia. Mas, faltando-lhe discernimento jurídico e sobrando-lhe intenção de fé duvidosa, o parlamentar faz péssimo uso deste princípio constitucional. Isto porque não existe lei isenta de valor. Não se pode usar as palavras jurídicas de um contexto e jogá-las ao léu, como se cada linha da legislação pudesse ter a pretensão de ser universal. Jorge Babu diz que o “Princípio da Isonomia ensina que devemos tratar os iguais de forma igual e os diferentes de forma diferente. [...] Contudo, enquanto detentores de condição viral contagiosa, tais cidadãos [os soropositivos] assumem característica diversa dos demais, exigindo tratamento diverso”. O que diria Hitler dos judeus na década de 1930? “Devemos tratá-los, os judeus, de forma diferente. Enquanto detentores de condição biológica e social contagiosa, eles possuem característica diversa dos demais”. Ou ainda, o que diria a Igreja Católica, em relação às mulheres queimadas como bruxas na Inquisição Medieval? “Devemos tratar as mulheres iguais de forma igual e as diferentes de forma diferente. Essas mulheres são diferentes e, enquanto detentoras de condição religiosa contagiosa, tais mulheres assumem característica diversa das demais, exigindo tratamento diverso, ou seja, a fogueira”. Poderíamos ainda aplicar o princípio da isonomia, de maneira aleatória, em diversos outros contextos históricos, destituindo-lhe o valor que possuía no contexto em que ele surgiu na nossa legislação. Ora, e qual o contexto do surgimento do princípio da isonomia na legislação brasileira? Ela tem sua origem com a primeira constituição republicana em seu artigo 72: “todos são iguais perante a lei”. Isto quer dizer que – e só faz sentido se – o Brasil estava deixando de ser um país monárquico e adquirindo a condição de República. E em uma república, não caberiam – em tese – as relações desiguais que vigoravam no regime anterior. Quero dizer que, por exemplo, o indivíduo deveria ter sua ascensão social promovida antes pelo mérito que por ser amigo do rei. Nesse sentido, dizer que todos são iguais perante a lei, significa dizer – mais uma vez, em tese – que todos têm (ou deveriam ter) iguais condições diante da Carta Magna, e não condições diferenciadas de acordo com o maior ou menor apoio de um monarca. No entanto, a Constituição de 1988, consagra aquele princípio no caput do artigo 5º, quando diz que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” e aponta para a igualdade dos diferentes, criando “desigualdades”, isto é, a lei trata desigualmente os diferentes com o objetivo de torná-los iguais de fato. No caso de 1988, é importante não nos esquecermos do período histórico do qual o país era egresso no final da década de 80. Era necessário afirmar o princípio da isonomia diante de tanta desigualdade – sobretudo política – que vigorava na época da ditadura militar. Mas mais importante que isto reside no fato de que em nenhum aspecto a idéia de um cadastramento soropositivo está consoante com os princípios e valores de 1988. Primeiro porque a AIDS, em 1988, era praticamente um fantasma desconhecido. Segundo porque credenciar esses cidadãos desta maneira arbitrária, em nada promove a igualdade dos diferentes. Importante frisar que o contrário de “igual” é “diferente”, e não “desigual”. “Diferente” e “desigual” não são sinônimos. Babu propõe não a diferença, mas a desigualdade. Sim, é fato que um portador de HIV é diferente de quem não possui o vírus. Entretanto, a igualdade jurídica, civil e social deste indivíduo não será dada por um cadastramento onde sua vida, seu nome e até seu CPF estão expostos a terceiros sem o seu controle. A isonomia não pode ferir o princípio da autonomia, e é isso – essa ferida – o que defende Jorge Babu. Suas idéias nos fazem lembrar as revoltas que agitaram o Rio de Janeiro do início do século XX, diante das reformas urbanas que procuravam “higienizar” a cidade. Cabe aqui lembrar que a “higienização” pressupunha a demolição de cortiços, a retirada de cidadãos das ruas à força, a demarcação de território por onde umas pessoas poderiam passar e outras não, a remoção de famílias para localidades distanciadas dos centros urbanos e, como ápice, uma vacinação obrigatória, que não era acompanhada de instrução, de educação, de ensino. Imaginem hoje o que seria a Polícia Militar entrando na sua casa, baixando a calça da sua mulher para fazer à força um exame ginecológico ou de qualquer outra natureza, a fim de evitar uma epidemia qualquer. Naquele contexto, levantar as mangas dos braços das mulheres para enfiar-lhes nos ombros uma agulha, contendo um antídoto patológico e social, era considerado um abuso ao direito privado, mas o poder público da República assim o fez, ferindo os ideais da isonomia, os quais defenderam os parlamentares alguns anos antes quando da redação da Constituição de 1891.

Por fim, gostaria de sugerir que, caso este projeto seja aprovado, que também seja aprovada a minha idéia de cadastro com nome, sobrenome e CPF, de todos os portadores de gripe. Tanto da tradicional quanto desta última, a gripe suína, que vem assolando e assustando populações do mundo inteiro. Da mesma forma, um cadastro específico para os portadores de tuberculose e para todos aqueles que têm hepatite. Não podem se esquecer também dos esquizofrênicos, das mulheres com câncer de mama e aquelas da alta sociedade que tem sofrido com o alcoolismo, como apontam os índices mais recentes. Também acho justo que façam um cadastro para os diabéticos, e um outro para os portadores do Mal de Alzheimer. E por que não cadastrar também todos os cidadãos que foram atingidos pela dengue no Rio de Janeiro em 2008? Mas o cadastro há de ser separado, um para cada tipo de dengue. Não pode misturar. Importante também fazer um cadastro de portadores de câncer linfático, ainda mais agora depois que a ministra Dilma lamentavelmente recebeu a notícia de sua moléstia. Faltaria ainda o cadastro dos que sofrem com a hanseníase, esse mal que tanto assolou os personagens bíblicos milênios atrás. É mais do que justo que sejam recompensados pelo princípio da isonomia. Assim como as populações do norte do país, que são assoladas pela malária, também merecem um cadastro único. E para fazer justiça à população negra, um belo cadastro da anemia falciforme. E para os que sofrem com problema de peso, um cadastro dos que possuem obesidade mórbida. E ainda na categoria das doenças, um cadastro somente de psicopatas, parecido com aqueles do FBI que a gente vê nas séries americanas. E, mais importante ainda, seria cadastrar os mais doentes desta sociedade, ou seja, esses políticos pé-de-chinelo que são envolvidos com milícias e são expulsos de seus partidos, que cometem crime ambiental porque apóiam essa prática horrorosa, que é a rinha de galos, e por conta disso são presos e recebem advertências do partido do qual um dia fizeram parte. Também há de se fazer um cadastro de todos os parlamentares que impedem que moradores das comunidades recebam suas correspondências e seus remédios – caso não estejam com suas taxas em dia com a milícia – e os obrigam a fornecer autorização para que propagandas eleitorais sejam fixadas em suas residências. Um cadastro deve ser feito para esses doentes parlamentares que são denunciados pelo Ministério Público por formação de quadrilha e extorsão e são acusados de chefiar grupos milicianos em uma determinada zona da cidade, e que são eleitos utilizando imagens religiosas como carros-chefe de suas candidaturas, esses mesmos que ainda não acordaram para o fato de que o regime do padroado – a ligação entre política e religião – caiu junto com a monarquia em 1889 e, em seu lugar, emergiu um princípio constitucional muito importante, a isonomia, e que tais políticos, infelizmente, por desconhecerem a sua essência, ou dela fazerem mal juízo, ocupam-se em elaborar projetos de leis que só contribuem para aumentar a falta de dignidade de uma população que sofre; o sofrimento de cidadãos que querem ser e podem ser felizes; e a infelicidade de um país que padece com o ranço político e uma crescente prática discriminatória que vai sendo incorporada à legislação se nós, cidadãos desta mesma terra, não manifestarmos o nosso repúdio e nosso asco em relação a essa corja que ganha rios de dinheiro legislando sobre o sofrimento alheio.

É porque discordo de idéias de cunho discriminatório; porque sou contra qualquer prática que se assemelhe ao confinamento nos campos de concentração nazistas; porque creio em um Estado laico, livre de fato e de direito; porque defendo que os direitos civis devem ser respeitados e os sociais devem ser oferecidos igualmente a todos, respeitando as diferenças e não delas usufruindo; porque creio que não se deve expor ao âmbito público as particularidades do universo privado de nenhum cidadão sem a sua consideração, aprovação, permissão e consciência; porque não acredito que o fato de um cidadão possuir determinada diferença ou particularidade deva ser pretexto para sua futura humilhação ou discriminação; porque repudio qualquer segregação racial, social, sexual ou de qualquer outra natureza; e porque não acredito em uma isonomia que promova o desrespeito, a crise ética, a falta de dignidade e mascare a histórica política de um parlamentar que não tem nenhum decoro para inferir sobre o que é público ou privado (afinal ele próprio nunca distinguiu bem um do outro em sua trajetória política) que deixo aqui, em nome da Comunidade Betel do Rio de Janeiro, o meu protesto diante deste abuso do poder público, que está sendo colocado à prova, através do Projeto de Lei 2204/2009, pelo Deputado Estadual Jorge Babu, eleito por nós, povo, e membro sem partido da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

Leandro Rosetti de Almeida
Historiador e Professor
Membro da Comunidade Betel do Rio de Janeiro

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Disfarce

Composto à melodia de um samba de Martinho da Vila, "Disfarce" é um poema irônico. Não porque quis compô-lo desta forma, não! O conteúdo dele não possui ironia, mas o contexto em que ele foi criado, sim, possui. Explico o porquê, mas peço que a poesia que está contida nestes versos não seja lida através do filtro desta explicação.
Por que "disfarce"? Esse poema foi composto durante a minha adolescência, período que para mim era muito triste. Eu conciliava extremos: a expectativa do vestibular e a frustração pelo ascetismo sexual, a convivência com vários amigos e a apatia sentimental, as milhares de informações e a solidão de uma vida sem graça. Por isso eu não era feliz. Hoje em dia seria muito fácil olhar para trás e identificar o motivo. Mas naquela época, não. E digo isto como historiador que sou. Olho para o meu passado e não posso embutir nele valores advindos das experiências do meu presente. Portanto, no contexto do poema, eu não sabia o que eu disfarçava, nem por quê. Algo dentro de mim tinha medo de tocar nessa massa existencial.
Entretanto, quando eu leio o poema hoje, notadamente posso dizer: "Leandro, está vendo? Desde cedo você sabia! Então era isso que você disfarçava!". Não, não era. Incrivelmente não era. Mas poderia muito bem ser algo do inconsciente, sei lá, vai saber... Prato cheio para a psicologia! É muito irônico o fato de os versos do passado possuírem um significado totalmente diferente e, mesmo assim, fazerem sentido em um futuro não muito distante, fazerem sentido dentro do contexto deste futuro, que é o presente. Apesar do conteúdo naquele contexto ser algo desconhecido, posso ressignificá-lo, hoje, a partir do que entendo sobre mim mesmo.

Por fim, sugiro que atentem para a data do poema. Juro que não
foi de propósito! Permitam-me as gargalhadas que dou toda vez que vejo essa data... Enfim, coincidência?! Leiam o poema e me digam o que vocês acham?

Disfarce
1999

Eu tenho um disfarce, um caso de praxe
Não há quem o ache, quem encontre sua classe
Eu tenho um disfarce e por ele me vêem
E crêem que sou pelo que me lêem.

Eu vivo por ele e não há quem descubra
A máscara doce, alegre, salobra!
Com ele me visto de vista valente
Vistoso, apresento meu gênio contente.

Eu vivo rápido, prático, sádico...
Eu vivo pulando com pulos fantásticos!
Com riso no ouvido eu ouço tão claro
O raro lirismo dizendo o que faço

E vivo feliz como quem é feliz.
Eu vivo comum, e os comuns são sutis!
Os vis me comparam e até param o que fiz
Apenas disfarces, prazeres hostis.

O mundo me enxerga, às vezes, mui bem
Além do que quem não entende, imagina.
Minha vida é viver amigo e aquém
De tudo que tem tristeza e sina.

Disfarço perdendo a concentração
E até exalto meu lado narciso!
Por ora preciso – e eu sei que é preciso –
Calar-me aceitando de todos o não!

Vivo satisfeito com ares no peito
E peito, e desvio do que têm me feito
Meu disfarce é tudo, ele é perfeito
Não há quem descubra! Não, não tem jeito...

Disfarço, confesso meu riso cortês.
E vou disfarçando, não posso evitar
E por disfarçar eu começo a chorar
E esconder tudo aquilo que a vida me fez.

Léo Rosetti
Em 28 de junho de 1999

sábado, 18 de abril de 2009

Um depoimento no mar ou Onda que vaga devagar



NOTA DE AGRADECIMENTO A UMA AMIGA


Esta semana fui convidado por uma amiga a dar um depoimento em sua faculdade de Comunicação Social a respeito de minha história de vida e minha visão sobre os movimentos LGBT’s. Deixo aqui o registro do meu agradecimento a ela, Camila, por oportunizar este convite e, ao mesmo tempo, por se permitir adentrar pelos meandros do conhecimento a respeito do que é o outro e da diversidade humana. A ela, que conviveu comigo e participou de fases muito difíceis pelas quais tive a graça de passar e superar, deixo aqui o meu agradecimento. Deixo também um grande beijo às meninas de seu grupo que tão atenciosas se permitiram ouvir minhas palavras com tamanha valorização. E por conta do óbvio e da evidência deixo os motivos que a levaram a realizar o referido convite que, aliás, promoveu em mim um sentimento de satisfação e de dever cumprido, como poucas vezes já senti em toda a minha vida. Um pequeno ensaio de crônica ilustra o episódio. Espero que gostem.



Um depoimento no mar ou Onda que vaga devagar


Eram poucos os minutos disponíveis para resumir toda uma vida. Achei que não fosse conseguir, o que deixou meus nervos à flor da pele. A sala lotada promovia antes da apresentação do grupo um ruído ensurdecedor, de alguns setenta alunos pouco disciplinados que, sem muita ordem, tentavam se organizar mutuamente para a apresentação dos grupos. Previamente me encontrei com o que me convidou, por volta das dezoito horas, e esclarecemos as eventuais dúvidas que o tema teria gerado ao longo da pesquisa e, assim, partimos para a sala de aula da universidade, à espera da chegada do professor. O mestre, atrasado, chegou. O grupo das meninas foi o segundo a se apresentar, e eu, convidado, era espreitado por dezenas de olhares que não entendiam o que eu estava fazendo ali. Alguns olhares femininos sugeriam algum interesse. Por parte delas, claro. Sem necessidade de modéstia, afirmo isto sem ter percebido, pois foram minhas anfitriãs que me informaram aos cochichos sobre o que a minha presença enigmática estava causando aos demais. O mistério fora desvendado ao final da apresentação das meninas, que, aliás, foi belíssima: todas de preto com plumas e mapuás coloridos nos pescoços lânguidos e curiosos. Nem o professor atrasado foi poupado e recebeu um colar de plumas roxas. O preto representava o luto pelas estrelas da apresentação; o colorido, a alegria eterna, apesar das muitas mortes e violência ocorridas todos os dias neste país. Então me chamaram à frente, como uma testemunha ocular, como alguém que falava de dentro o que de fora era pesquisado. O silêncio falava. Olhos, muitos olhos, prestavam atenção, surpresos, a uma história de vida, resumida aos prantos em pouquíssimos minutos. Um mar de gente atenta ao que era novo e diferente. Um mar cuja maré era aguçada por apenas uma gota, uma gotinha que, de alguma forma, suscitava tímidas ondas no oceano que também era seu. A curiosidade era latente. A desilusão – de algumas universitárias – também. As palmas encerraram o depoimento, sons que provieram, inclusive, de alguns estudantes que debochavam e ironizavam a apresentação do seminário logo em seu início, como se o assunto tratado abordasse algo absurdo ou de outro mundo. Logo surgiram duas perguntas, e surgiriam muito mais, não fosse o corte dado em função do tempo que já urgia. O professor queria ouvir mais. Talvez se ele tivesse chegado mais cedo... quem sabe não teríamos mais tempo? É claro que me sinto honrado pelas palmas, mas elas não deveriam ser feitas a mim. Metaforicamente, sim. Mas na prática, não deveriam. Por isso, repasso as palmas aos muitos dos de mim, outros tantos como eu, que não tiveram a oportunidade de se expor e de se impor, diante de uma classe de burguesinhos brancos universitários preconceituosos, em maior ou menor grau. Saímos contentes da sala, tendo antes sido convidado por um outro grupo para auxiliar em uma das últimas apresentações, afinal eu havia comentado que era professor, e elas, as outras meninas, pouco ou nada sabiam a respeito do tema de seu trabalho. Queriam ajuda... por que não? Comemoramos no shopping da universidade o sucesso da apresentação. E, para minha surpresa, fui atendido na lanchonete do shopping por um de meus alunos, com quem, aliás, tenho travado grandes e produtivas discussões a respeito do tema que fora abordado no trabalho de faculdade das meninas, aluno resistente, mas que defende suas idéias (diferentes das minhas), sem perceber que – ao passo em que resiste e discute – permite-se refletir e pensar por muito mais tempo sobre assuntos polêmicos e necessários, os quais seus pais não tiveram, na certa, a paciência e a coragem de lhe abordar. Se fui por um dia metáfora social diante de uma platéia pouco informada sobre o diferente, mas aberta ao novo, meu aluno foi – aliás, tem sido – a metáfora da platéia. Acho que as coincidências não são por acaso. Nunca são. Elas promovem o despertar para a mudança e anunciam que o caminho que escolhemos, de alguma maneira específica, em um mar gigantesco de possibilidades, é, senão, uma onda com um sentido muito especial de ser e de vagar.



“Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia”

...

“Tudo muda o tempo todo no mundo”

...

“Não adianta fugir nem mentir pra si mesmo”

...

“Há tanta vida lá fora”

...

“Como uma onda no mar”



sexta-feira, 10 de abril de 2009

Veneno

A história deste poema me traz bastante contetamento, pois foi através dele que conquistei, em 2002, o 1º Lugar no Concurso Municipal de Poesias, na categoria "Ser Humano, Ser Universal". O concurso era promovido pela Secretaria de Cultura da Prefeitura de Duque de Caxias que, nos dias de hoje, sabe lá Deus como anda. Não, não estou sendo ambíguo. A duplicidade que a sentença anterior sugere é proposital: jogo para Deus tomar ciência tanto a Secretaria de Cultura da cidade quanto a própria Prefeitura, como órgão superior daquele município. Mas isto não vem ao caso agora, nesta postagem, senão em uma outra, que renderia linhas e linhas, não obstante as que por ora gasto neste poemenso! Por falar nele, ei-lo: "Veneno", uma das coisas mais significantes que eu já escrevi, daquelas que a gente pode se orgulhar quando chegar às muitas idades que o tempo nos há de dar, oxalá. Mas, vocês irão perceber, o orgulho vem da obra, da mesma forma que a vergonha dela vem. Um texto que faz jus ao título do blog, longo mas ao mesmo tempo breve, um poema que denuncia e metaforiza o veneno da nossa sociedade, a penúria, a fome:

Veneno


Moço, aí tem comida?
Que boa a sua vida!
Que bom! Aqui não tem
Nem queijo, nem pão
Nem um pouco de vida...
...e há tempos que não como!
Tampouco sei como morrer
Tem veneno, moço? Quero comer
Algo que faça mal,
Um mofado de bolo,
Um pão integral...
Algo radical, letal,
Algo fatal, mortal,
Algum labirinto
Que me dê alucinação
Que faça alvoroço, moço
Algo que me leve consigo
A um jazigo, a um caixão,
Que não me deixe faminto,
Nem sedento, nem ao vento,
Algo que me dê abrigo.



Dê-me ao menos um almoço
Que costuma estragar.
Dê-me o estragado!
Faça um esforço
Uma salada, um ovo
Podre, um jantar...
No Ano Novo, moço,
O que puder me dar:


Um morticida qualquer
O que quiser, um formicida,
Um inseticida, uma mulher...
Uma vaca completamente louca!
Um garfo, uma colher
Uma faca, um talher...
Uma ponta bem afiada na boca!
O que vier é um presente;
Um dente pra mastigar comida,
Um remédio que me deixe doente
Um tédio, uma mordida,
Má-sorte, figa, chocolate...
Algo pra morte
Algo que mate
Que tire a vida!




Dê-me um veneno, um doce,
Um pirulito, um meteorito,
Uma paulada na cabeça...
Algo que resolve;
Um chiclé, uma bala
De revólver, uma granada,
Um tiro de escopeta!
Uma bola, uma pistola...
Um nada, o que quiser.


Pinga uma pinga, uma gota de veneno
Algo na minha boca
Um leite do peito,
Um pouco de leito...
Nada a menos
Que litros de ácido úrico,
Ácido sulfúrico, benzeno...
Nada demais.
Chazinhos naturais,
Plantas mortais...
Ervas abortivas
Que me abortem da rua.
Uma pata-de-vaca,
Uma comigo-ninguém-pode,
Uma cabeça-de-bode,
Um pé-de-cabra que abra
Os braços e dê um abraço
No âmago de meu estômago,
Algum toque que me traga.
Uma arruda na boca,
Uma ajuda, uma praga...


Prepare o meu prato
Com veneno de rato,
E uma taça de vinho
Com muito veneno
Ferro, chumbo,
Chumbinho!
Algo que me seja leve,
Amendoim, racumim, eutanásia
Em festival, rico e farto
(Cardápio fatal!):
Um infarto, um surto
De vírus contagioso!
Algo que me seja bem bom,
Bem nocivo, bem gostoso!
Um drinque, um aperitivo,
Um bombom venenoso...
Uma carne contaminada,
Cisticercose solitária...
Um ossinho bem curto,
Uma bebida estragada,
Comida com a validade
Ultrapassada! Vencida!


Sirva-me, moço, por favor,
Em taça de cristal rachado
Uma água poluída,
Algo que mate a sede,
Algo que mate a vida,
Um sorvete envenenado,
Um banquete grato,
Um bolor, um mofo,
Uma lingüiça, um chuchu,
Envenenados, crus,
Coisas mal-feitas,
Mal distribuídas,
Carne putrefeita,
Carniças, urubus,
Um germe, um verme,
Uma derme apodrecida,
Tudo me serve, tudo se come,
Tudo é comida!



Tudo é vida, tudo experiência,
Deixe-me o experimento
Do sabor de um elemento
Químico, repulsivo.
Não, não me deixe, moço,
Isento de algo bem nutritivo,
O capricho de um alimento,
Um lixo radioativo!
Um césio emitente,
Um milho explosivo...
Quem sabe um urânio
Ou lantânio ou mercúrio,
Líquido, consistente,
Claro, escuro.
Um experimento consciente!
Algo incandescente!
Algo inseguro!


Dê-me algo pra comer,
Veneno pra morrer,
Um arroz, um facão
Que corte, que rasgue, que fure
Um baço, um estômago, um coração...
Um prato de vento,
De poeira, de sujeira,
De fogo, de enxofre,
Um prato de comer
Qualquerzinha besteira,
Qualquer coisinha.



Se puder ainda, moço,
Dê-me essa comida, esse almoço,
Teu resto, tua sesta,
Esse pescoço que sobra
Dessa galinha...
Essa água morna que fica
Dessa sopinha...
O osso roído da costelinha,
A brasa dessa picanha,
Essa gordurinha...!


Ou o veneno da cobra,
Do escorpião que pica,
Suco de peçonha,
Garras de aranha, carne de sapo,
Um trapo, uma formiga,
Um retrato da vergonha,
Da miséria e da desgraça,
Uma sobra, a espinha
De uma piranha,
De uma sardinha...
O espinho de uma rosa,
A água de um parto,
Uma nicotina, um cigarro,
Uma fumaça, uma tragada
Num cano de descarga
Monóxido de carbono.
Dê-me algo que me faça dormir,
Algo tóxico, mortífero,
Uma espécie de elixir,
Algum tipo de sonífero,
Um fel, um sono
Terno, fraterno,
Um inferno, um céu,
Um sonho eterno...



Moço, dê-me o que comer.
Dê-me veneno, eu quero morrer!!
Não quero a goiaba do senhor,
Quero o bicho!
Não quero o teu escargot...
Quero o lixo.
O lixo da mesa
Do chão, do corpo,
Farelo de pão, mijo e cocô.
Quero atônito o teu vômito,
Tua migalha e o teu suor
Quero é a tralha e a urina
Que desprezas, lançando-a menina
Pro lado de fora.
Quero minha sina na sorte
De um alimento, morte, carnificina.


Dê-me algo pra ficar forte,
Algo que sustente, algo atômico,
Uma bomba de Hiroshima!
Biotônico, vitamina,
Cálcio, ferro, aço,
Cloreto de sódio,
Cloreto de potássio
No sangue, na veia,
Banana, aveia, ódio,
Teias de tarântola,
Ostras, moscas,
Um fortificante!
Um fogo, uma tocha,
Uma chama...
Anabolisante, moda,
Algo que come, que brocha
Na hora da transa,
Na hora da folia,
Da masmorra
Da vergonha, da fome...
Algo que brote
Pra ficar forte!
Maconha...coca...morte!




Dê-me, moço, algum esboço
Algo que me sacie da rua
Uma esmola tua
Que me satisfaça,
Alguma coisa, algum troço,
Algo que não posso,
Que me tire a vida;
Um morticida,
Uma saída, algo nocivo,
Um castigo, um incentivo, uma força...
Um lápis, um caderno, uma forca...
Um éter, um lenço
Algo em que não penso
Algo mortal, ameno,
Algo que se ingere,
Algo que se consome
Algo que se bebe,
Algo que se come...
Pois a continuar morrendo
E morto continuar vivendo
Prefiro comer veneno
A ter que morrer de fome!

Léo Rosetti

quinta-feira, 9 de abril de 2009

O aperto do Cascão, da tampinha e do namoro


Quem não gosta de uma rapidinha, não é?!

Que ótimo, pois aqui tem três! ...e quentinhas, para alegrar a aura e aquecer a vida:


Primeira rapidinha:


Segunda rapidinha:



Terceira rapidinha:


E aí, deu pra esquentar?