segunda-feira, 27 de abril de 2009

Disfarce

Composto à melodia de um samba de Martinho da Vila, "Disfarce" é um poema irônico. Não porque quis compô-lo desta forma, não! O conteúdo dele não possui ironia, mas o contexto em que ele foi criado, sim, possui. Explico o porquê, mas peço que a poesia que está contida nestes versos não seja lida através do filtro desta explicação.
Por que "disfarce"? Esse poema foi composto durante a minha adolescência, período que para mim era muito triste. Eu conciliava extremos: a expectativa do vestibular e a frustração pelo ascetismo sexual, a convivência com vários amigos e a apatia sentimental, as milhares de informações e a solidão de uma vida sem graça. Por isso eu não era feliz. Hoje em dia seria muito fácil olhar para trás e identificar o motivo. Mas naquela época, não. E digo isto como historiador que sou. Olho para o meu passado e não posso embutir nele valores advindos das experiências do meu presente. Portanto, no contexto do poema, eu não sabia o que eu disfarçava, nem por quê. Algo dentro de mim tinha medo de tocar nessa massa existencial.
Entretanto, quando eu leio o poema hoje, notadamente posso dizer: "Leandro, está vendo? Desde cedo você sabia! Então era isso que você disfarçava!". Não, não era. Incrivelmente não era. Mas poderia muito bem ser algo do inconsciente, sei lá, vai saber... Prato cheio para a psicologia! É muito irônico o fato de os versos do passado possuírem um significado totalmente diferente e, mesmo assim, fazerem sentido em um futuro não muito distante, fazerem sentido dentro do contexto deste futuro, que é o presente. Apesar do conteúdo naquele contexto ser algo desconhecido, posso ressignificá-lo, hoje, a partir do que entendo sobre mim mesmo.

Por fim, sugiro que atentem para a data do poema. Juro que não
foi de propósito! Permitam-me as gargalhadas que dou toda vez que vejo essa data... Enfim, coincidência?! Leiam o poema e me digam o que vocês acham?

Disfarce
1999

Eu tenho um disfarce, um caso de praxe
Não há quem o ache, quem encontre sua classe
Eu tenho um disfarce e por ele me vêem
E crêem que sou pelo que me lêem.

Eu vivo por ele e não há quem descubra
A máscara doce, alegre, salobra!
Com ele me visto de vista valente
Vistoso, apresento meu gênio contente.

Eu vivo rápido, prático, sádico...
Eu vivo pulando com pulos fantásticos!
Com riso no ouvido eu ouço tão claro
O raro lirismo dizendo o que faço

E vivo feliz como quem é feliz.
Eu vivo comum, e os comuns são sutis!
Os vis me comparam e até param o que fiz
Apenas disfarces, prazeres hostis.

O mundo me enxerga, às vezes, mui bem
Além do que quem não entende, imagina.
Minha vida é viver amigo e aquém
De tudo que tem tristeza e sina.

Disfarço perdendo a concentração
E até exalto meu lado narciso!
Por ora preciso – e eu sei que é preciso –
Calar-me aceitando de todos o não!

Vivo satisfeito com ares no peito
E peito, e desvio do que têm me feito
Meu disfarce é tudo, ele é perfeito
Não há quem descubra! Não, não tem jeito...

Disfarço, confesso meu riso cortês.
E vou disfarçando, não posso evitar
E por disfarçar eu começo a chorar
E esconder tudo aquilo que a vida me fez.

Léo Rosetti
Em 28 de junho de 1999

Um comentário:

Para quem sabe urinar, um pingo é letra!
Alivie o estresse e urine suas idéias no seu comentário!