segunda-feira, 9 de maio de 2011

O pastor e o diabo na Terra de Santa Cruz


Hoje eu estive com uma pessoa de minha família que me é muito amada. Infelizmente ela possui um defeito quase congênito: é crente! Digo "crente" no sentido mais piegas do termo. Eu sei que por baixo da estrutura assembleiana repousa um coração amoroso, e muitas de suas palavras condizem com tal sentimento. Mas é tão incoerente quando esse amor encontra uma doutrina fundamentalista meio louca... É em nome do amor que sinto, e pelo amor que eu sei que existe naquele coraçãozinho, que dá pra relevar. Mas como é difícil a tarefa do "fazer-que-não-ouve"! Eis o motivo da minha inquietude.

Esta pessoinha a quem eu tanto amo tem um parente que é da curimba. Sim, bate um tambor desde que me entendo por gente. O camarada já foi alvo de inúmeros ataques verbais de fundamentalistas religiosos evangeloucos, muitos dos quais parentes seus, mas ainda sobrevive com seu terreiro. Não vou dizer que o camarada é o mais confiável dos humanos, porque não é. Talvez não seja o mais honesto, mas em tempos (e templos) iurdianos ser desonesto é quase um elogio. Mas, que raios! Está lá o pobre homem sobrevivendo até hoje com seus trabalhinhos, sua macumbinha, seus batuques que quase não tocam mais. Bons tempos aqueles da minha infância, quando nós tínhamos medo de dormir por causa da festa do terreiro. Dormíamos apavorados porque diziam: "Hoje a macumba tá que tá". E, apesar de eu não ser nenhum douto em religiosidade afro-brasileira até os 10 anos de idade, e não ter a menor ideia do que significava "macumba", sabia que aquilo ali era algo digno de temor. Todo mundo tinha medo. Por que eu não teria?

O fato é que o dito pai-de-santo resolveu pedir a um parente seu, que é pastor, para celebrar um Culto em Ação de Graças pelos seus 60 anos! Ora, o convite até que foi bem aceito, até que... pasmem! - a condição para que o pastor celebrasse o culto - pasmem de novo! - era que o babalorixá aceitasse Jesus! A pessoinha que tanto amo me contou a história indignada, certa de que a celebração dos 60 anos do pai-de-santo realmente deveria vir acompanhada de sua renúncia à religião. Eu não quis contrariar, mas achei a atitude do pastor de uma petulância, de uma superioridade tão medíocre, que o vômito me veio à boca imediatamente.

- Se ele queria agradecer a Deus, tudo bem, mas agradecer a Deus e ao diabo, não dá. E ele ficou com raiva! - dizia minha pessoa amada - Como se fosse uma obrigação celebrar o culto! Se ele não quer aceitar Jesus, é um direito dele, não é obrigado a fazer isto. Da mesma forma, o outro também não é obrigado a fazer culto algum.

Eu não quis criar polêmica, mas como minha língua aguça, não me contive:

- Eu não sei se ele quer agradecer ao diabo. Ele nunca me disse isso...

Ao que a pessoa rebateu:

- Lucifer! Significa "Anjo de Luz", era um anjo que vivia com Jesus no céu e que queria ser maior que Ele. Então ele foi expulso e Jesus lhe deu um outro nome, "Satanás", o diabo.

Eu estava completamente atônito. E, pior, não podia discutir. Era o lance que eu disse, do amor, e bla-bla-bla... Descobri hoje que o pai-de-santo queria agradecer a Lucifer que, a meu ver, só faz sentido na mitologia cristã. Ou nem nela, mas que seja! Pior que isso foi o fato de um pastor se recusar a celebrar um serviço de Ação de Graças devido a origem religiosa de uma pessoa. Achei aquilo tão deselegante. O engraçado da história, é que a máxima de que "venha como estás" foi pra escanteio há muito tempo! De cristão, o pastor, por esta atitude, nada possui. Se acaso o pai-de-santo resolvesse entrar numa igreja, durante o serviço, seria ele expulso do templo? O pastor deixaria de celebrar o culto ou de entoar louvores de adoração e agradecimento a Deus porque há um pagão entre os membros? Se não convém interromper o serviço pela chegada de um não-cristão, das duas uma: ou o pastor nunca leu Mateus 13, e nada conhece sobre a Parábola da Semeador, ou realmente não são bem-vindos nas igrejas cristãs aqueles que não compartilham de sua fé. Prefiro apostar na segunda hipótese. É ela que me faz desmascarar o discurso hipócrita que é sustentado de cima dos púlpitos, de onde se fazem apelos e convites para que as pessoas "aceitem" Jesus, com o único objetivo de algariar almas em cifras. Pois se a verdadeira liturgia se faz fora do templo, a atitude do pastor deveria ser celebrar o dito culto, sim. Claro, afinal não seria isto que ele faria caso o pai-de-santo fosse até a igreja? Então, se ele se recusa a celebrar na casa do pai-de-santo é porque, ao meu ver, ele não não está preocupado em celebrar um culto de agradecimento a Deus, mas em fazer uma guerra santa contra o diabo, esse ser tão supremo, tão onipotente e tão... tão... chifrudo!? Sério mesmo? Enfim, fato é que pouco importa pra ele o sentimento do fiel, do crente, do pagão, do ímpio, do gentio, do raio-que-o-parta! Não interessa que tenha partido do coração do homem a vontade de agradecer a Deus. Mas porque este homem possui uma outra religião, está excluído da oportunidade de agradecer a Deus! Tal como aqueles que não podiam adentrar o templo em Israel, porque eram impuros! Definitivamente, a igreja evangélica exclui! E se não exclui, está sendo hipócrita. Diz que aceita, acalanta, acolhe e, quando tem a oportunidade de mostrar a aceitação, o acalanto e o acolhimento, recusa-se por se considerar mais digna de Deus. Ao resto da humanidade, que se contente com o diabo.

Eu não estou aqui querendo fazer apologia ao proselitismo religioso. Não estou aqui enveredando pela corrente de pensamento que afirma que os cristãos devem pregar a Bíblia para as pessoas a fim de disseminar a salvação, como se esta fosse um fertilizante pulverizado sobre um jardim humano. Minhas convicções religiosas passam longe dessa pregaçãozinha de botequim! Tampouco quero aqui sustentar que o cristianismo deva ser acolhido por pagãos de uma forma ou de outra. Não! Particularmente eu acho que é até bem-feito pro pai-de-santo pedir esmolas a alguém que sempre o alfinetou. Parece-me que ele está agora decidido a procurar um padre. Melhor assim. Quem sabe este não seja mais solidário em realizar um desejo humano e verdadeiro do pobre pai-de-santo. O que eu quero realmente é trazer a reflexão sobre duas coisas: a primeira, o afastamento visível da igreja evangélica de sua verdadeira missão enquanto Igreja de Cristo, isto é, semear o Amor. E ponto. A segunda coisa, é a petulância, a arrogância, a superioridade ignorante que faz com que umas pessoas, as cristãs, sejam as pessoas que escolheram Deus, enquanto as outras, as não-cristãs, são entregues à sorte do diabo, do inferno, de Satanás ou Lucifer. Aliás, é curioso essa história de Lucifer, porque o terreiro do pai-de-santo é um terreiro de candomblé. Perguntei à minha pessoa amada, almejando a confirmação de que era, de fato, um terreiro de candomblé. E era! Não me contive e perguntei o que fazia ali o tal Lucifer. Claro que a resposta não podia ser melhor: o Capiroto estava fazendo companhia ao Boiadeiro, à Pombagira, ao Caboclo, ao Tranca-Rua... a pobre da Oxum, coitada, deve estar agora, chorosa, voltando para África, com medo de inexistir!

Por fim, antes que esqueça, e também pra fazer jus ao título, uma curiosidade latente à minha cabeça. Talvez o tal pastor, ou outro qualquer, tendo a oportunidade de me ler um dia, possa me responder: por que com tanta injustiça no mundo, com tanta fome, tanta miséria, com guerras explodindo em cada canto deste planeta, com assassinos seriais transitando livremente, terroristas se inflamando, com o Silas Malafaia e o Jair Bolsonaro à solta, e o Oriente Médio beirando o caos... enfim, com tanta coisa de ruim nessa bola gigante e azul, que é a Terra, o diabo realmente tinha que baixar aqui, logo aqui, no terreiro de um bairrozinho chinfrin de Duque de Caxias!?

5 comentários:

  1. Não me surpreendo mais com as velanias, hipocrisias, mentiras e exclusões promovidas pelos seguidores da vertente fundamentalista do cristianismo. Nasci num lar cristão fundamentalista e presenciei a falsidade do discurso do "venha como estás" inúmeras vezes!

    O tal discurso performático do "venha como estás" tem o prazo de validade de 24h, pois ao fim e ao cabo é "venha como estás e mude assim que entrar!"

    O que me deixa realmente indignado é saber que os tais neoinclusivos são reprodutores deste discurso e das mesmas velanias, mentiras e exclusões da vertente fundamentalista do cristianismo, por isso, não concordo com o termo "neoinclusivo", pra mim são cristãos fundamentalistas gays!

    Se o tal pai de santo fosse gay e procurasse um dos pastores gays fundamentalistas ouviria a mesma coisa que ouviu do outro pastor hétero fundamentalista, senão, coisa bem pior! E se aceitasse a oferta de vender sua alma, seria exposto como um troféu diante de todos, porque ética é coisa que os fundamentalistas cristãos, bem como os fundamentalistas gays cristãos desconhecem.

    Para a vertente gay do fundamentalismo religioso cristão, as religiões afro como candomblé e umbanda são religiões de demônios e os que professam tal fé são seguidores de demônios.

    Sei o que estou dizendo, pois quando da última Parada do Orgulho Gay no Rio de Janeiro, soube pela boca de alguém bem próximo a um pastor gay fundamentalista, que este não havia subido no carro da Diversidade Religiosa porque só tinha "gente da macumba", embora eu, pastor CRISTÃO INCLUSIVO, estivesse lá também celebrando a diversidade sexual ao lado das mães de santo.

    Me causa muita indignação saber que existe gays cristãos fundamentalistas que reproduzem as velanias, mentiras e exclusões que os seus irmãos fundamentalistas cristãos héteros promovem! Pois gays são oprimidos e deveriam libertar e não oprimir.

    Por fim, tudo isso me faz enxergar o quanto eu e meus pares que militam por um cristianismo de fato ainda temos que trabalhar, em duas frentes: na primeira fazendo frente ao fundamentalismo religioso cristão héterossexual e noutra ao fundamentalismo cristão gay, por mais esdrúxulo que o termo ou conceito possa ser!

    Parabéns pelo artigo! Muito bom!

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    1. Parabens ao reponsavel pelo blogo Essa é a primeira vez que venho aqui
      Parabens tambem ao Reverando Marcio
      Sou hetero e candomblecista venho de uma familia espirita kardescista Aprendi pela educação que recebi a respeitar todas as pessoas e seuas opções Hoje "INFELISMENTE" com muita tristesa vejo nosso país ser tomado por pessas fundamentalistas e muitas vezes ate FANÁTICAS Pessoas totalmente despreparadas ocupando cargos de liderança várias frentes (religião poilítica etc)Mas ainda existem pessoas como voces Pessoas preparadas inteligentes e sensatas Graças a Deus

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    2. vai morrer e direto pro inferno, se converte e muda de vida Jesus te ama, mais abomina o pecado, a idolatria e a feitiçaria.

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  2. Acho seu comentário cheios de vícios e preconceitos com a religião protestante. Se vc não conhece não deveria escrever tanta porcaria na internet; Acho que as pessoas deveriam entender que se vc crer em algo que considera estar acima de tudo, como exemplo: governo, comportamentos e etc, não deveriamos julgar, pois é isso que tal pessoa acredita e confia. Nossa Constituição preserva a libardade de pensamento e religião e temos, sim, que ter orgulho da nossa Carta Magna que não hierarquiza nenhum destes direitos fundamentais. Comentários como "defeito quase congênito: é crente!" é um desrespeito com milhões de brasileiros que executa seu direito de escolha e religião...mas como se fala por ai: hipocrisia é defeito, não qualidade.

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  3. Pelo amor de Deus, Sr Reverendo Márcio,
    Dá próxima vez que o sr. tecer comentários, coloque todo o versículo bíblico..." vem como estás" e fundamente baseado neste como um todo... é muito fácil pegar trechos bíblicos e colocar como uma verdade absoluta, aliás estamos falando de bíblia que é a palavra da verdade, a palavra de Deus.
    faça-me o favor.

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