quinta-feira, 26 de maio de 2011

Desabafo de um militante - por Alexandre Bortolini


SE VOCÊ é um daqueles gays ou lésbicas que lê uma coisa como essa e diz coisas do tipo: ai, mas isso não vai mudar nunca, com aquele ar conformado e entediado, então, meu amor, por favor, me passe o seu nome, endereço e telefone. Por que quando algum homofóbico quiser uma bicha, sapatão ou trava pra ser ser xingada, humilhada, espancada, esfaqueada, morta ou esquartejada, eu vou mandar procurarem você!

Se você não se importa que esse país continue homofóbico, tudo bem, não tem problema. Mas que você tenha saco e culhão pra aguentar a homofobia toda. Porque eu não quero. Porque eu não tenho mais saco de ouvir ninguém falando que tá certo ou errado o jeito que eu dou a minha bunda! Desculpa, mas não dá pra falar de outro jeito. Porque diabos alguém acha que pode dizer o que eu posso ou não fazer com o meu próprio corpo??? Quem eu posso amar, quem eu posso beijar, ou morar junto? Se você acha que tem um modelo certo de família, de sexo, de andar, de falar, QUE BOM! Viva esse teu modelo e seja feliz! Só entenda duas coisas: 1. a homossexualidade não é obrigatória! 2. a BUNDA é minha!

Alexandre Bortolini
Militante da causa LGBT

terça-feira, 10 de maio de 2011

A verdadeira causa da morte de Lacraia


Foi hoje mesmo que soube que a dançarina Lacraia veio a falecer. Ouvi a notícia por volta das 13 horas, enquanto pegava carona com meu pai para trabalhar. Como é de praxe, ele ouve há anos um programa de péssimo gosto chamado "Patrulha da Cidade", da Super Rádio Tupi, que é transmitido nessa faixa de horário.

Até então os radialistas faziam suas explanações fictícias e já consagradas por explorar em demasia o sensacionalismo. E assim fizeram quando noticiaram que Jair Bolsonaro, o deputado homofóbico, estava distribuindo panfletos contra gays. Ora, é verdade que o tal deputado, indignado com a decisão do Supremo Tribunal Federal na semana passada, resolveu manifestar-se contra a diversidade. O problema foi a abordagem! O radialista debochava: "Cada um dá o que é seu...", como se ser LGBT implicasse necessariamente no ato de ser penetrado. Mas enfim, que se limitassem à ignorância. Pois não se limitaram, e ousaram ser inescrupulosos. Após noticiarem que um "traveco" matou uma mulher por ciúmes do namorado, e outras notícias tão fantasiosas quanto essa, resolveram colocar na pauta a morte da dançarina Lacraia, e foi daí que eu soube que ela havia falecido.

O erro começou por enfatizar o nome de batismo da dançarina. Ora, se ela quisesse ser chamada pelo nome de batismo, usaria o nome de batismo. Custa entender que ela é Lacraia e ponto!? Ou alguém fica por aí publicando os shows de José e Durval de Lima, ao invés de Chitãozinho e Xororó, ou Mirosmar e Welson David, ao invés de Zezé de Camargo e Luciano? Ou ainda, tecendo notícias de fofoca com o nome de Maria da Graça, ao invés de Xuxa, ou exibindo filmes com Arlette Torres, ao invés de Fernanda Montenegro? No caso da Lacraia, a intenção é realmente vilipendiar a honra, humilhar, ferir a história da dançarina.

Mas o que me deixou mais indignado, até mesmo assustado, foi quando um dos radialistas perguntou:

- Morreu de quê, de Aids?

E, ao receber uma suposta resposta afirmativa, completou:

- Viu só? Fica dando o que é seu por aí que você vai ver!, em referência à máxima proferida sobre a notícia da panfletagem do deputado Bolsonaro.

É sabido que o programa "Patrulha da Cidade" nunca teve muito escrúpulos nem muita ética ao abordar temas caros à sociedade e, por isso mesmo, polêmicos (ou melhor, polemizados) por ela, como o são os direitos humanos e a diversidade sexual. Liberdade de imprensa tem limite, minha gente. E é um limite ético! Liberdade de imprensa requer o mínimo de responsabilidade. Vincular a AIDS à prática sexual entre gays, especificamente atribuindo ao penetrado a culpa pela doença, é de um preconceito sem precedentes! Trata-se de uma irresponsabilidade inimaginável, além de refletir ignorância, retrocesso, má-fé. A atitude se assemelha àquela proferida por Marcelo Dourado, quando, ainda no reality show Big Brother Brasil 10, disse que heterossexuais não pegavam AIDS. Que história é essa de que "dar o que é seu" é condição per se de transmissão e recepção do vírus HIV? Como se não existisse prevenção entre LGBT's, como se ser LGBT fosse o bastante para ser soropositivo, como se heterossexuais usassem camisinha em todas as suas relações. E ainda, como se Lacraia fosse soropositiva.

Não é da conta de nenhum jornalista a sorologia da dançarina. A causa da morte não foi divulgada, e se não foi divulgada é porque não interessa. Há que se respeitar! Tantos e tantos artistas homossexuais e heterossexuais morrem em função das complicações do HIV e não há imprensa que tenha culhão de peitar o luto dos familiares desses artistas e de explorar sua dor em nome de um furo de reportagem que desvende que a causa da morte foi o vírus da AIDS. Por que com a Lacraia tem que ser diferente? Por dois motivos: 1) LGBT quando morre, sobretudo se, sendo biologicamente homem, trouxer consigo elementos do feminino, morre em função da AIDS. Não se pode ficar doente, emagrecer, mudar de vida, morrer, porque se é gay, tem AIDS!; e 2) Lacraia é uma aberração para nossa sociedade! Ela não se enquadra no masculino, no feminino, porque ela ousou ser mais que isso. Ela não se encaixou, não coube nas normas sociais. O que matou Lacraia não foi AIDS ou qualquer doença crônica que conste na Organização Mundial da Saúde. O que matou Lacraia, e continuará matando, infelizmente, todos os dias, é outra doença crônica que, por ser produto da sociedade, é considerada uma doença social: o preconceito.

Lacraia não morreu em função da falência de seus órgãos ou em decorrência da desfunção de coração. Lacraia foi assassinada! Sim, assassinada cruel e brutamente por programas como o "Patrulha da Cidade". E ela mesma, defunta, continuará a ser assassinada, morte sobre a morte, dia após dia, enquanto programas dessa estirpe continuarem a desrespeitá-la, destituindo-a de um direito tão fundamental, que é o direito de morrer, privando-a da dignidade na hora da partida.

Por outro lado, é de suma importância lembrar que a morte da Lacraia não é destino manifesto. A esperança de fazê-la viver está nas nossas mãos. Sim, nós já fomos capazes de eternizar tanta gente bacana, representativa, gente que iluminou nossas vidas com tanta alegria e emoção. Ou alguém duvida que Cazuza ainda viva? Eu creio que Renato Russo também está entre nós, assim como Tom Jobim, Jorge Lafond, Noel Rosa, Cássia Eller, e tantos outros, tantas outras artistas.

Vai, Lacraia! Vai em paz, Libélula do Bem! Seja feliz e transmita a alegria de viver aí, do outro lado deste palco da vida, estando certa de que você, enquanto estrela, continuará a brilhar, seja aí, seja cá, nos nossos corações!

***

Se você também se sente indignado ou indignada com a abordagem sensacionalista do programa "Patrulha da Cidade", manifeste-se. Escreva para eles! Mostre sua rejeição a esta prática. Eu fiz isto e você pode fazer também. Hoje, Lacraia é cada um de nós. Clique AQUI para acessar o site deste programa e deixar a sua manifestação de repúdio.


segunda-feira, 9 de maio de 2011

O pastor e o diabo na Terra de Santa Cruz


Hoje eu estive com uma pessoa de minha família que me é muito amada. Infelizmente ela possui um defeito quase congênito: é crente! Digo "crente" no sentido mais piegas do termo. Eu sei que por baixo da estrutura assembleiana repousa um coração amoroso, e muitas de suas palavras condizem com tal sentimento. Mas é tão incoerente quando esse amor encontra uma doutrina fundamentalista meio louca... É em nome do amor que sinto, e pelo amor que eu sei que existe naquele coraçãozinho, que dá pra relevar. Mas como é difícil a tarefa do "fazer-que-não-ouve"! Eis o motivo da minha inquietude.

Esta pessoinha a quem eu tanto amo tem um parente que é da curimba. Sim, bate um tambor desde que me entendo por gente. O camarada já foi alvo de inúmeros ataques verbais de fundamentalistas religiosos evangeloucos, muitos dos quais parentes seus, mas ainda sobrevive com seu terreiro. Não vou dizer que o camarada é o mais confiável dos humanos, porque não é. Talvez não seja o mais honesto, mas em tempos (e templos) iurdianos ser desonesto é quase um elogio. Mas, que raios! Está lá o pobre homem sobrevivendo até hoje com seus trabalhinhos, sua macumbinha, seus batuques que quase não tocam mais. Bons tempos aqueles da minha infância, quando nós tínhamos medo de dormir por causa da festa do terreiro. Dormíamos apavorados porque diziam: "Hoje a macumba tá que tá". E, apesar de eu não ser nenhum douto em religiosidade afro-brasileira até os 10 anos de idade, e não ter a menor ideia do que significava "macumba", sabia que aquilo ali era algo digno de temor. Todo mundo tinha medo. Por que eu não teria?

O fato é que o dito pai-de-santo resolveu pedir a um parente seu, que é pastor, para celebrar um Culto em Ação de Graças pelos seus 60 anos! Ora, o convite até que foi bem aceito, até que... pasmem! - a condição para que o pastor celebrasse o culto - pasmem de novo! - era que o babalorixá aceitasse Jesus! A pessoinha que tanto amo me contou a história indignada, certa de que a celebração dos 60 anos do pai-de-santo realmente deveria vir acompanhada de sua renúncia à religião. Eu não quis contrariar, mas achei a atitude do pastor de uma petulância, de uma superioridade tão medíocre, que o vômito me veio à boca imediatamente.

- Se ele queria agradecer a Deus, tudo bem, mas agradecer a Deus e ao diabo, não dá. E ele ficou com raiva! - dizia minha pessoa amada - Como se fosse uma obrigação celebrar o culto! Se ele não quer aceitar Jesus, é um direito dele, não é obrigado a fazer isto. Da mesma forma, o outro também não é obrigado a fazer culto algum.

Eu não quis criar polêmica, mas como minha língua aguça, não me contive:

- Eu não sei se ele quer agradecer ao diabo. Ele nunca me disse isso...

Ao que a pessoa rebateu:

- Lucifer! Significa "Anjo de Luz", era um anjo que vivia com Jesus no céu e que queria ser maior que Ele. Então ele foi expulso e Jesus lhe deu um outro nome, "Satanás", o diabo.

Eu estava completamente atônito. E, pior, não podia discutir. Era o lance que eu disse, do amor, e bla-bla-bla... Descobri hoje que o pai-de-santo queria agradecer a Lucifer que, a meu ver, só faz sentido na mitologia cristã. Ou nem nela, mas que seja! Pior que isso foi o fato de um pastor se recusar a celebrar um serviço de Ação de Graças devido a origem religiosa de uma pessoa. Achei aquilo tão deselegante. O engraçado da história, é que a máxima de que "venha como estás" foi pra escanteio há muito tempo! De cristão, o pastor, por esta atitude, nada possui. Se acaso o pai-de-santo resolvesse entrar numa igreja, durante o serviço, seria ele expulso do templo? O pastor deixaria de celebrar o culto ou de entoar louvores de adoração e agradecimento a Deus porque há um pagão entre os membros? Se não convém interromper o serviço pela chegada de um não-cristão, das duas uma: ou o pastor nunca leu Mateus 13, e nada conhece sobre a Parábola da Semeador, ou realmente não são bem-vindos nas igrejas cristãs aqueles que não compartilham de sua fé. Prefiro apostar na segunda hipótese. É ela que me faz desmascarar o discurso hipócrita que é sustentado de cima dos púlpitos, de onde se fazem apelos e convites para que as pessoas "aceitem" Jesus, com o único objetivo de algariar almas em cifras. Pois se a verdadeira liturgia se faz fora do templo, a atitude do pastor deveria ser celebrar o dito culto, sim. Claro, afinal não seria isto que ele faria caso o pai-de-santo fosse até a igreja? Então, se ele se recusa a celebrar na casa do pai-de-santo é porque, ao meu ver, ele não não está preocupado em celebrar um culto de agradecimento a Deus, mas em fazer uma guerra santa contra o diabo, esse ser tão supremo, tão onipotente e tão... tão... chifrudo!? Sério mesmo? Enfim, fato é que pouco importa pra ele o sentimento do fiel, do crente, do pagão, do ímpio, do gentio, do raio-que-o-parta! Não interessa que tenha partido do coração do homem a vontade de agradecer a Deus. Mas porque este homem possui uma outra religião, está excluído da oportunidade de agradecer a Deus! Tal como aqueles que não podiam adentrar o templo em Israel, porque eram impuros! Definitivamente, a igreja evangélica exclui! E se não exclui, está sendo hipócrita. Diz que aceita, acalanta, acolhe e, quando tem a oportunidade de mostrar a aceitação, o acalanto e o acolhimento, recusa-se por se considerar mais digna de Deus. Ao resto da humanidade, que se contente com o diabo.

Eu não estou aqui querendo fazer apologia ao proselitismo religioso. Não estou aqui enveredando pela corrente de pensamento que afirma que os cristãos devem pregar a Bíblia para as pessoas a fim de disseminar a salvação, como se esta fosse um fertilizante pulverizado sobre um jardim humano. Minhas convicções religiosas passam longe dessa pregaçãozinha de botequim! Tampouco quero aqui sustentar que o cristianismo deva ser acolhido por pagãos de uma forma ou de outra. Não! Particularmente eu acho que é até bem-feito pro pai-de-santo pedir esmolas a alguém que sempre o alfinetou. Parece-me que ele está agora decidido a procurar um padre. Melhor assim. Quem sabe este não seja mais solidário em realizar um desejo humano e verdadeiro do pobre pai-de-santo. O que eu quero realmente é trazer a reflexão sobre duas coisas: a primeira, o afastamento visível da igreja evangélica de sua verdadeira missão enquanto Igreja de Cristo, isto é, semear o Amor. E ponto. A segunda coisa, é a petulância, a arrogância, a superioridade ignorante que faz com que umas pessoas, as cristãs, sejam as pessoas que escolheram Deus, enquanto as outras, as não-cristãs, são entregues à sorte do diabo, do inferno, de Satanás ou Lucifer. Aliás, é curioso essa história de Lucifer, porque o terreiro do pai-de-santo é um terreiro de candomblé. Perguntei à minha pessoa amada, almejando a confirmação de que era, de fato, um terreiro de candomblé. E era! Não me contive e perguntei o que fazia ali o tal Lucifer. Claro que a resposta não podia ser melhor: o Capiroto estava fazendo companhia ao Boiadeiro, à Pombagira, ao Caboclo, ao Tranca-Rua... a pobre da Oxum, coitada, deve estar agora, chorosa, voltando para África, com medo de inexistir!

Por fim, antes que esqueça, e também pra fazer jus ao título, uma curiosidade latente à minha cabeça. Talvez o tal pastor, ou outro qualquer, tendo a oportunidade de me ler um dia, possa me responder: por que com tanta injustiça no mundo, com tanta fome, tanta miséria, com guerras explodindo em cada canto deste planeta, com assassinos seriais transitando livremente, terroristas se inflamando, com o Silas Malafaia e o Jair Bolsonaro à solta, e o Oriente Médio beirando o caos... enfim, com tanta coisa de ruim nessa bola gigante e azul, que é a Terra, o diabo realmente tinha que baixar aqui, logo aqui, no terreiro de um bairrozinho chinfrin de Duque de Caxias!?