sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Maria, Maria... da Penha!

Hoje vi no Facebook uma mensagem divulgada pelo Grupo Arco-Íris, lembrando-nos sobre o quinto aniversário da Lei Maria da Penha. Eu mesmo, por minha conta, talvez não fosse lembrar da data. E existe uma razão pra isso! Não sou mulher. Não vivo na pele a dor e a delícia de ser o que é, a saber, mulher. Mas sofro em outras instâncias e sou atingido de outra maneiras que não vêm ao caso neste artigo. Porém, o mais importante a respeito da Lei Maria da Penha não é o fato de ela proteger mulheres, mas sim, o fato de ela proteger pessoas! O que quero dizer, é que, se por um lado a lei confere às mulheres o status de "pessoa", status este que, por força da cultura, era atribuído apenas aos homens, a mesma lei permite, por outro lado, a homens e mulheres desfrutarem da proteção da lei. Porque são pessoas, a despeito do gênero ao qual pertencem. Na minha leitura, é uma lei que prima pela igualdade. Alguns casos já foram noticiados na internet sobre homens que fizeram uso da lei. Homossexuais, inclusive! E há louvor na ação. Mas sem dúvida, as maiores beneficiárias da lei são as mulheres, sim! Na violência doméstica, são elas as que estão em situação de prejuízo. É lamentável, entretanto, que muitas não ousem usufruir do direito que possuem, apesar das imperfeições que a lei em si traz em seu texto.

Mas a questão que me intrigou quando eu vi o cartaz não foi propriamente a Lei Maria da Penha, antes o próprio cartaz me chamou atenção. E por quê? Tente você descobrir. Vá até a barra de rolagem e suba um pouco o seu olhar. Observe o cartaz... se possível, ligue as caixinhas de som do seu computador para que Milton Nascimento inspire a sua reflexão...



Pedi pra que você ouvisse porque o som às vezes inspira mais que a imagem, mas se você é daqueles ou daquelas que preferem o texto, ok. Preste atenção no excerto escolhido para a reflexão.

Maria, Maria
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que rí
Quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta

Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria


Por mais que reine no Grupo Arco-Íris a boa e generosa intenção de celebrar a data de aniversário de criação da Lei Maria da Penha, uma coisa é inegável! O cartaz não condiz com a proposta. As Marias que misturam a dor e a alegria não me parecem ser as Marias louras de olhos azuis com corpo de modelo. As Marias que trazem no corpo a marca, ao meu ver, trazem a marca da discriminação, da cor, do suor, as marcas de uma gente que ri quando deve chorar, porque motivos não faltam. No início do artigo eu fiz uma provocação. Dizia que a lei beneficia homens e mulheres - porque são ambos humanos - mas reforcei que as grandes beneficiárias são as mulheres, dadas as condições de desigualdade histórica em relação ao poder do falo na nossa cultura. Da mesma forma, é preciso se pensar questões internas, dentro do próprio gênero feminino. Se todas as mulheres são contempladas pela lei, certamente as pretas e pobres são aquelas que mais merecem atenção! As estatísticas mostram pra quem quiser ver: a pirâmide social do Brasil é sustentada pelas mulheres pretas e pobres. São elas quem estão na base! Recebem os menores salários, têm as piores condições de trabalho e, muito provavelmente, sofrem no ambiente privado aquilo que lhes é oferecido no público. Mesmo que a informação não procedesse, seria de bom tom que o Grupo Arco-Íris, por sua história e natureza, homenageasse as mulheres pretas e pobres! Não tenho nada contra as loirinhas de olhos azuis, assim como não tenho nada contra heterossexuais. Mas, cá pra nós, faz sentido aquele projeto ridículo de São Paulo celebrar o Dia do Orgulho Hétero? Não, não faz! Heterossexuais não estão lutando há décadas pelo direito de (sobre)viver. Da mesma forma, não faz sentido, na minha visão, comemorar o quinto aniversário da Lei Maria da Penha estampando em cartazes mulheres que não representam as Marias de Milton Nascimento. Vamos pro chão da vida? A Maria é da Penha, não do Leblon.

É só uma provocação. Fica a dica para a sua reflexão! E, pra não dizer que não falei de flores, que as marcas em vermelho sejam apenas de batom.


quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Eu, robô


Hoje lembrei que tinha um blog e que este servia para espiar o estresse, conforme proposta assentada em sua criação. Esqueci mesmo que possuía um veículo para espiar minhas angústias, anseios, indignações. Fazia tempo que não passava por aqui. Então resolvi escrever.

Os dias têm passado como se eu os estivesse assistindo e sem deles participasse. Não estou bem. Às vezes até me envergonho ao dizer que não estou bem, posto que existe um mundo imenso lá fora de repleto de pessoas famintas, miseráveis, sem teto, mendicantes, doentes, mortas. Mas não posso negar o vazio, não dá. Eu vejo os dias passarem e a sensação que eu tenho é a da imobilidade. Há mais de um mês estou em greve e, de alguma forma, os agitos da sala de aula estão me fazendo falta. Meus alunos são o demo! Gritam, são rebeldes, abusam da boa vontade do professor... mas são meus! E eu confesso que estou morrendo de saudades deles. Meu outro trabalho é administrativo e quase não vejo gente, à exceção das pessoas com quem trabalho todos os dias, as mesmas pessoas, sempre. Meu trabalho aqui é a ilustração do que significa rotina. Não é que seja chato ou difícil, a questão é que está fácil demais. Não possui os desafios da sala de aula, dos quais tenho sentido falta. Tenho sentido falta de ter o controle da situação, de escolher caminhos, de ser provocado e ter meios para driblar ou reagir à provocação. Aqui estou me sentindo amarrado pela facilidade, pela via fácil, pelo ofício simples. Cadê o Léo crítico, audacioso, sagaz? Estou cercado por gente bacana. Por muitos colegas legais. Bacanas e racistas. Legais e machistas. Isto tem me feito mal. Não, não se diferem da grande maioria da população. Tal como na sociedade lá fora, o racismo aqui é naturalizado. O machismo é quase um baluarte. Estou ficando sem forças para discutir, tenho andado desanimado, desacreditado da mudança. Hoje um colega criticou o SUS por oferecer cirurgia de mudança de sexo às transexuais, e sua crítica soou tão natural para todos os presentes... e eu não me perdoo até agora por não ter falado nada, absolutamente nada.

Elaboro documentos, digito atas, conserto erros, altero sites, leio e-mails, faço o que tenho que fazer, e sei que faço bem. Mas não estou bem! Estou cansado de cumprir ordens sem questionar! Não sou pau-mandado. Não quero me tornar um escravo do sistema perito em ser eficaz. Não! Onde está a poesia? Alguém viu o meu humor? Estou ficando sem combustível. Ontem fiquei pensando em quando poderia me dedicar ao teatro integralmente; sonhei com isso, e me entristeci ao acordar para a minha realidade mecânica. Estou com medo de me robotizar, de me tornar um servo do sistema, um produto automático que faz coisas automáticas para um mundo automático. Não suporto mais dar respostas mecânicas a processos burocráticos! As dúvidas simples demais de pessoas simples demais estão me irritando profundamente! Eu preciso de um mundo mais colorido, mais diverso e mais criativo! Definitivamente eu não combino com burocracia! As tintas para pintar meus quadros estão compradas há mais de um ano. Não me faltam ideias para as telas! Hoje vi fotografias de ondas com um colorido inimaginável, pensei que estampariam belíssimos quadros, mas apenas pensei. As ideias não se concretizam! Meu mestrado até agora não sai, e nem mesmo sei se teria tempo, nas atuais circunstâncias, de me dedicar aos estudos acadêmicos.

Estou às vésperas de ingressar em outro trabalho, um outro posto que exigirá de mim aquilo que me anima, que me traz vida: o ato de educar. Mas a dúvida me sobrecarrega. Olho para todos os lados e tudo que vejo em relação ao magistério são sombras. Sombras de descaso, de falta de investimento, de depredação, de deboche do poder público. Por outro lado, até hoje é no magistério onde encontro a maior possibilidade de lutar por aquilo que acredito, sem constrangimentos. Na sala de aula, eu sou o cara! Não estou me gabando, nem me achando o melhor professor do mundo, não. Mas lá, sim, eu posso. É como se lá eu realmente acreditasse que meu discurso vale à pena. Lá o desafio é mais excitante. Não existe comodismo, nem tarefa fácil. Cada dia é um novo dia, e se tem uma coisa que não consigo fazer lecionando é me automatizar.

Não sei se é essa a explicação pro vazio que estou sentindo essa semana. Mas sei que a explicação reside na automatização da vida. Enquanto isso, tentarei acalentar o coração. Chegar em casa e achar graça no café, no sofá, na cama. Ou quem sabe, trazer novas flores pro meu jardim. O verde há de trazer esperança e alegria! Meu jardim hoje está cinza e tudo o que eu mais quero é florescer.