É carnaval!
Para muitos a folia já se iniciou... este ano estou muito mais ameno e pacato que nos anteriores. Desde a minha infância eu nunca fui lá muito fã desta festa, confesso. Entretanto, de uns seis anos para cá, este período festivo passou a fazer parte de minha vida de uma maneira muito especial.
Para muitos que me perguntaram, respondo: Não, não vou desfilar este ano em nenhuma escola de samba. E infelizmente não estarei no Galo da Madrugada hoje, como estive ano passado, no sábado de carnaval no Recife.
Aliás, meu sábado de carnaval está como se não fosse. Mas não está sendo ruim. Estou lembrando através de fotos todos os meus anos de folia que esta festa me proporcionou, desde que a auto-aceitação se tornou uma etapa concreta no meu caminhar. Talvez por isso, minha paixão pela folia passou a ter um caráter quase que científico, carente de estudo, digamos assim.
Por isso me impressiona esta festa, que é loucura para muitos. Quantas vezes não ouvi na minha infância que carnaval era coisa do diabo. Se não fosse do Capiroto, de Deus é que não seria mesmo! Tanta conversa fiada jogada fora, poupando-me anos de folia desperdiçados.
A associação do carnaval com o diabo já é coisa antiga, mas a ênfase, sem dúvida, é um tanto recente, parte dessa loucura toda que é o neopentecostalismo. A proposta da festa se manteve desde que ela surgiu: extravagância! Deixar correr solto, liberar-se, explodir, desregrar, inverter! Essa semana comentei com meus alunos sobre Dionísio, o meu deus grego favorito. Um exímio admirador do néctar mais saboroso do Olimpo, o de uva! Deus do vinho e do teatro, consagrado pela irreverência, pela embriaguez e pela festividade! Os gregos eram muito felizes nesse sentido, porque pra eles toda o exagero dionisíaco era perfeitamente cabível com a lucidez de Atena, a deusa da sabedoria.
É incrível como não aceitamos que dentro de nós existe o correto mas também o errado, o bêbado e o sóbrio, o louco e o são. Criamos um mundo esquizofrênico, muitas vezes respaldado por um discurso medíocre e pseudo-cristão que, em nome de uma santidade atribuída a cada um, estamos "libertos", "resgatados do mundo", "santos" (no sentido mais pobre da palavra). E isso acaba significando uma série de condutas que não condizem com a nossa natureza humana, as condutas da negação: "Não pode fazer isso", "não pode fazer aquilo", como se só a vontade de fazer a dita coisa já não fosse um sinal evidente do desejo que se move no interior da alma. Metáfora da humanidade, a mitologia grega deixa clara e evidente a humanidade que há em cada um de nós: não há perfeitos! Cada um de nós traz consigo uma gama de valores, um rol de sentimentos, onde o que reina não é apenas o amor-fantasia. Diferente dos gregos, não reconhecemos o nosso "eu" que emerge no carnaval. Lá na Grécia, o cidadão que bebia todas nas festas de Dionísio era o mesmo cidadão, em essência, que adentrava o Partenon na Acrópole, dedicado a Atena, símbolo da sabedoria e da lucidez. Aqui, a coisa é diferente. Só existe um ser em essência; o que acontece no carnaval ou é visto como erro, ou como influência do demônio. É coisa de fevereiro e pronto! Não acontecerá mais no resto do ano.
Falta a muitos de nós assumir esse lado obscuro e humano, o que é muito mais complicado, porque isso significa um esforço que muitas vezes não estamos dispostos a dedicar. Assumir que falhamos ou, pelo menos, que podemos ser água ou vinho, implica diretamente no esforço do perdão, do arrependimento, da humildade, do reconhecimento do outro, do respeito mútuo, da sinceridade, enfim. É mais fácil fingir a perfeição! Quem é certinho não precisa pedir perdão a ninguém, pois a ninguém nada fez, a ninguém magoou, a ninguém feriu... Será por isso que o carnaval faz tanto sucesso neste país? Um Brasil que vive o ano todo posando de bom moço para inglês ver, fazendo cerimônia, bancando o correto e o sensato. Com tanta máscara no dia-a-dia, não é de se estranhar que em meio a tantas de carnaval, caia a da hipocrisia.
Acho que por isso não estou muito em clima de carnaval esse ano: tenho aproveitado como um pierrô todos os meus dias, bons e maus. Quero muito me divertir, mas este ano minha euforia está bem mais amena no carnaval. Mas logo deve passar, e há de passar, porque tenho direito aos meus momentos dionisíacos.
Mas estes momentos hão de ser intensos, na medida da intensidade que vivenciei durante todo o ano. Porque em essência, sou o mesmo, no carnaval ou no natal. O que quer que eu faça em um período, não justifica, por si, não realizar no outro. Santo e puto podem conviver lado a lado, porque essa é a graça de ser humano.
Essa é minha grande admiração pelo carnaval: menos o fato do exagero que o período traz e mais a capacidade que a festa tem de demonstrar a diversidade humana, em todos os seus aspectos. Trata-se da possibilidade de presenciarmos nas ruas da cidade os muitos "nós" que a gente tem. E, quer em ritmo se samba ou de frevo, ao som do tamborim ou do maracatu, homens e mulheres podem ser o que são. Mas, melhor que isso, podem experimentar o prazer de ser o outro. Descobrir ser o outro pode ser uma grande lição para o resto do ano. Um exercício de alteridade, advindo quiçá de uma máscara, de um clóvis, de um adereço ou de um esplendor! Ser quem não se é. Taí! Quem sabe assim não descobrimos o quanto de mulher ou homem, de anjo ou demônio, de santo ou puto, de hétero ou homo, de Dionísio ou Atena, de pierrô ou colombina, há em cada um de nós. E assim, tal qual um espetáculo teatro - não em vão, a arte mais completa e bela de todas, grega na origem e universal na repercussão - aprendamos com cada um dos personagens que todos, aliás todos e todas, somos capazes de viver em cada minuto do espetáculo que estrelamos neste grande palco que é a Vida.
Para muitos a folia já se iniciou... este ano estou muito mais ameno e pacato que nos anteriores. Desde a minha infância eu nunca fui lá muito fã desta festa, confesso. Entretanto, de uns seis anos para cá, este período festivo passou a fazer parte de minha vida de uma maneira muito especial.
Para muitos que me perguntaram, respondo: Não, não vou desfilar este ano em nenhuma escola de samba. E infelizmente não estarei no Galo da Madrugada hoje, como estive ano passado, no sábado de carnaval no Recife.
Aliás, meu sábado de carnaval está como se não fosse. Mas não está sendo ruim. Estou lembrando através de fotos todos os meus anos de folia que esta festa me proporcionou, desde que a auto-aceitação se tornou uma etapa concreta no meu caminhar. Talvez por isso, minha paixão pela folia passou a ter um caráter quase que científico, carente de estudo, digamos assim.
Por isso me impressiona esta festa, que é loucura para muitos. Quantas vezes não ouvi na minha infância que carnaval era coisa do diabo. Se não fosse do Capiroto, de Deus é que não seria mesmo! Tanta conversa fiada jogada fora, poupando-me anos de folia desperdiçados.
A associação do carnaval com o diabo já é coisa antiga, mas a ênfase, sem dúvida, é um tanto recente, parte dessa loucura toda que é o neopentecostalismo. A proposta da festa se manteve desde que ela surgiu: extravagância! Deixar correr solto, liberar-se, explodir, desregrar, inverter! Essa semana comentei com meus alunos sobre Dionísio, o meu deus grego favorito. Um exímio admirador do néctar mais saboroso do Olimpo, o de uva! Deus do vinho e do teatro, consagrado pela irreverência, pela embriaguez e pela festividade! Os gregos eram muito felizes nesse sentido, porque pra eles toda o exagero dionisíaco era perfeitamente cabível com a lucidez de Atena, a deusa da sabedoria.
É incrível como não aceitamos que dentro de nós existe o correto mas também o errado, o bêbado e o sóbrio, o louco e o são. Criamos um mundo esquizofrênico, muitas vezes respaldado por um discurso medíocre e pseudo-cristão que, em nome de uma santidade atribuída a cada um, estamos "libertos", "resgatados do mundo", "santos" (no sentido mais pobre da palavra). E isso acaba significando uma série de condutas que não condizem com a nossa natureza humana, as condutas da negação: "Não pode fazer isso", "não pode fazer aquilo", como se só a vontade de fazer a dita coisa já não fosse um sinal evidente do desejo que se move no interior da alma. Metáfora da humanidade, a mitologia grega deixa clara e evidente a humanidade que há em cada um de nós: não há perfeitos! Cada um de nós traz consigo uma gama de valores, um rol de sentimentos, onde o que reina não é apenas o amor-fantasia. Diferente dos gregos, não reconhecemos o nosso "eu" que emerge no carnaval. Lá na Grécia, o cidadão que bebia todas nas festas de Dionísio era o mesmo cidadão, em essência, que adentrava o Partenon na Acrópole, dedicado a Atena, símbolo da sabedoria e da lucidez. Aqui, a coisa é diferente. Só existe um ser em essência; o que acontece no carnaval ou é visto como erro, ou como influência do demônio. É coisa de fevereiro e pronto! Não acontecerá mais no resto do ano.
Falta a muitos de nós assumir esse lado obscuro e humano, o que é muito mais complicado, porque isso significa um esforço que muitas vezes não estamos dispostos a dedicar. Assumir que falhamos ou, pelo menos, que podemos ser água ou vinho, implica diretamente no esforço do perdão, do arrependimento, da humildade, do reconhecimento do outro, do respeito mútuo, da sinceridade, enfim. É mais fácil fingir a perfeição! Quem é certinho não precisa pedir perdão a ninguém, pois a ninguém nada fez, a ninguém magoou, a ninguém feriu... Será por isso que o carnaval faz tanto sucesso neste país? Um Brasil que vive o ano todo posando de bom moço para inglês ver, fazendo cerimônia, bancando o correto e o sensato. Com tanta máscara no dia-a-dia, não é de se estranhar que em meio a tantas de carnaval, caia a da hipocrisia.
Acho que por isso não estou muito em clima de carnaval esse ano: tenho aproveitado como um pierrô todos os meus dias, bons e maus. Quero muito me divertir, mas este ano minha euforia está bem mais amena no carnaval. Mas logo deve passar, e há de passar, porque tenho direito aos meus momentos dionisíacos.
Mas estes momentos hão de ser intensos, na medida da intensidade que vivenciei durante todo o ano. Porque em essência, sou o mesmo, no carnaval ou no natal. O que quer que eu faça em um período, não justifica, por si, não realizar no outro. Santo e puto podem conviver lado a lado, porque essa é a graça de ser humano.
Essa é minha grande admiração pelo carnaval: menos o fato do exagero que o período traz e mais a capacidade que a festa tem de demonstrar a diversidade humana, em todos os seus aspectos. Trata-se da possibilidade de presenciarmos nas ruas da cidade os muitos "nós" que a gente tem. E, quer em ritmo se samba ou de frevo, ao som do tamborim ou do maracatu, homens e mulheres podem ser o que são. Mas, melhor que isso, podem experimentar o prazer de ser o outro. Descobrir ser o outro pode ser uma grande lição para o resto do ano. Um exercício de alteridade, advindo quiçá de uma máscara, de um clóvis, de um adereço ou de um esplendor! Ser quem não se é. Taí! Quem sabe assim não descobrimos o quanto de mulher ou homem, de anjo ou demônio, de santo ou puto, de hétero ou homo, de Dionísio ou Atena, de pierrô ou colombina, há em cada um de nós. E assim, tal qual um espetáculo teatro - não em vão, a arte mais completa e bela de todas, grega na origem e universal na repercussão - aprendamos com cada um dos personagens que todos, aliás todos e todas, somos capazes de viver em cada minuto do espetáculo que estrelamos neste grande palco que é a Vida.
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ResponderExcluir“Explode coração na maior felicidade”, cantam os versos do samba campeão há dezesseis anos atrás, pelo Salgueiro. Este ano, mais uma vez, após longa espera, outra vitória.
Mas “viver e não ter a vergonha de ser feliz” é, de fato, “cantar a alegria de ser um eterno aprendiz”. Um provérbio carregado de verdade para o ser. Viver feliz é para os livres, mas esta tal liberdade só experimenta quem se liberta do que aprisiona. A pior das prisões, a do ser. Quantos não se maltratam! – são seus próprios verdugos! Fui assim, fomos assim...
Cultura. Moral. Religiosidade. Suas verdades. Suas convenções. As máscaras sempre caem quando há LUZ sobre a treva – a falta de conhecimento. Eis por que “o meu povo se corrompe porque lhes falta o conhecimento”, como se lê em textos sacros ininteligíveis para muitos...
Que haja muitos carnavais em ti, em nós, em todos os que respiram LIBERDADE, a qual só se alcança em consciência com fé, crendo, em nada duvidando, “pois todas as coisas são puras para os puros”. Basta-nos a cada dia o seu próprio mal.
Quanto aos demais, aos que não respiram vida, “vede que a luz que há em ti não sejam – na verdade – trevas!”
Beijão, meu amigo de caminhada!
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Adorei seu blog! Seu texto sobre o carnaval está lindo, muito rico!!!
ResponderExcluirDeixo um grande abraço,
Sergio Viula