terça-feira, 30 de março de 2010

Nem tudo que é Dourado reluz: uma reflexão sobre a final do BBB10

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilônia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?

No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Indias

Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas

Bertold Brecht

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Deixei para escrever este texto às vésperas da última eliminação do Big Brother Brasil 10, não por mero acaso. Daqui a algumas horas teremos o resultado do vencedor do reality show, e a vitória de Marcelo Dourado no jogo é, praticamente, inevitável. E não estou sendo pessimista. É com pesar que escrevo este texto, e não deixo para escrevê-lo amanhã para que a certeza do que falo seja evidenciada quando o resultado do programa, daqui a algumas horas, anunciar o vencedor.

Particularmente não sou acompanhante assíduo do Big Brother, cujos personagens tomei ciência há pouco. Mas é possível identificar no jogo algumas semelhanças e paralelos com outras edições anteriores. Entre as semelhanças, a que mais me chama atenção é uma característica específica: que o vencedor do programa, via de regra, seja uma vítima! Uma vítima forjada nas ilhas de edição, diga-se, mas ainda assim uma vítima. Alguém que merece ser, de alguma forma, recompensado, de maneira que a justiça seja feita, pelas próprias mãos (dos expectadores). Lembro-me de algumas poucas edições e em todas elas a vítima surge: no primeiro Big Brother, o participante Kléber-Bambam foi recompensado por sua ingenuidade, sua característica principal Um ar um tanto pueril que faria jus aos mais clássicos textos de Rousseau. Na segunda edição, o caubói mereceu o título porque era vítima dos demais, no sentido de ser roceiro, caipira, do interior. Justiça fosse feita, e o boiadeiro recebesse o troféu merecido. A edição que contou com Dhomini, outro dos vencedores, guarda semelhanças com o atual Big Brother, e veremos depois por quê. Seu estilo cafajeste cativou os milhares de brasileiros que lhe recompensaram por ser uma pessoa boa, apesar de seu instinto mulherengo. Ganhou o “apesar”. O mesmo se deu com a participante de Mangaratiba/RJ, a vítima da sociedade que teve a chance de ingressar no jogo devido a um sorteio, sem análise de perfil. Pobre, representava grande parte da população, principalmente da população feminina, já que a vencedora era mulher, e nenhuma outra mulher havia ganhado o prêmio milionário até então. Com Jean Willys a história se repete, e o professor homossexual assumido precisou ser recompensado pelos dias difíceis que passou em sua vida, em sua trajetória de sucesso e superação. Jean era professor, instruído, inteligente e articulado. Seu baluarte não era sua homossexualidade; antes, sua história de vida, de sucesso.

Vocês podem me perguntar por que estou dissecando as outras edições do Big Brother, por que abri o texto com o poema de Bertold Brecht, e o que toda essa história de vitimização tem a ver com a atual edição do Big Brother.O caso é que a vítima, nesta edição, e ao que tudo indica, é Marcelo Dourado. Mas vítima do quê?

Em primeiro lugar, vítima do próprio jogo. O participante saiu noutra edição do programa e agora teve mais uma chance de mostrar o seu valor, fosse ele qual fosse. Em segundo lugar, “vítima” de uma corrente de pensamento crescente a favor da diversidade e da aceitação do outro. Esta edição do programa trouxe propositadamente às telas alguns guetos sociais, em cujos perfis os participantes do jogo eram obrigados a se enquadrar. Cada identidade foi suprimida em função do rótulo de Sarado, Colorido, Belo, Ligado etc. O público que recebe este tipo de informação pré-formatada não vê outra coisa no grupo dos sarados senão pessoas saradas e as julga por isso; no grupo dos coloridos senão coloridas, e sobre suas cores tecem seu julgamento; e assim por diante. Não se enxerga para além do rótulo. E nesse país que ostenta 198 mortes de homossexuais ao ano – mortos simplesmente porque eram homossexuais - não é de se estranhar que um grupo de coloridos cause estranheza demasiada.

A princípio imaginei que a intenção da emissora fosse politicamente correta ao abordar a diversidade. Ingenuidade a minha acreditar em imparcialidade de uma emissora que censura o beijo entre dois rapazes, escrito para acontecer em uma de suas telenovelas. Uma emissora em cujas novelas os atores negros servem apenas para desempenhar o papel de bandido ou de palhaço. Se de palhaço, ou porque o é em sentido figurado, isto é, como sub-personagem, dominado, auxiliar, quase sem aparições, quase sempre o estereótipo do pobre, empregado(a), pedreiro, escravo; ou mesmo no sentido literal, isto é, personagem cuja atuação não passa de comédia digestiva, o faz-me-rir fácil, o ridículo, o raso. Não, a Rede Globo não é imparcial. A intenção da emissora, de fato, é duvidosa quanto à distribuição dos grupos no Big Brother. Mas isto é briga de cachorro grande! Voltemos ao raciocínio anterior e expliquemos o que afinal o Big Brother tem a ver com Bertold Brecht.

Pois bem, como Brecht evidencia no clássico poema reproduzido na introdução deste texto, as grandes vitórias da humanidade nunca foram, e nunca serão vitórias alcançadas na solidão do próprio ser. Ao contrário, o dramaturgo e poeta denuncia a presença dos comuns, dos menores, daqueles anônimos cujos nomes não ganham as páginas dos livros de História, e sobre eles repousa o louro das conquistas dos grandes e famosos líderes; muitos dos quais, fizeram mais destruir do que construir.

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A vitória de Marcelo Dourado do Big Brother será comparável à vitória desses grandes líderes lembrados por Bertold Brecht. E não pensem que estou elogiando o participante, elevando-o ao pódio dos maiores nomes da história ocidental, porque não estou. Minha comparação consiste em refletir menos sobre a atuação de Dourado - que ao meu ver é mais um número - que sobre a contribuição dos anônimos na vitória do seu representante. Dourado é mais um na multidão. Não posso creditar a ele os méritos de sua vitória. Se tivesse que congratular, as saudações seriam dadas aos milhões de brasileiros que resolveram fazer justiça com as próprias mãos, recompensando sua mais recente vítima do jogo de realidade. Porém, que justiça é essa, afinal? Será uma espécie de contrapartida ou resposta em relação à vitória não muito bem tragada do homossexual Jean Willys, há algumas edições passadas? Ou será que os brasileiros resolveram presentear o participante ora eliminado, dando a ele a oportunidade (e a garantia) de permanecer no jogo? Meu palpite é que ambas as alternativas fazem sentido, porém um outro dado vem reforçar ainda mais a minha hipótese: Marcelo Dourado é porta-voz dos milhões de brasileiros cúmplices dos 198 assassinatos de homossexuais registrados em 2009. São esses milhões de brasileiros os que realmente saem do jogo como vencedores, e projetam em seu anti-herói a oportunidade de trazer a sociedade brasileira à “retidão”, ao “caminho correto”, ao “prumo”. Nossa sociedade é patriarcal e sexista, homofóbica e machista, heteronormativa e racista. Estas características estão implícitas em nossa estrutura. E, porque estão em nossa estrutura, não desaparecem num piscar de olhos, sobretudo quando os olhos não se piscam diante da televisão. Nosso preconceito estava adormecido, quieto e manso, mas ao simples anúncio de ruído – que era a presença ameaçadora dos coloridos – ele acorda, e aí faz-se necessário provar que o leão adormecido ainda vive, que o cajado do pai-de-família ainda machuca, e que lugar de bicha é embaixo da terra. Esta, a terra, não pode ser ameaçada em sua eternidade pelo mal que vem em cores. Explica-se, a partir da lógica acima, o medo e a aversão pela diferença, pelo amor entre iguais, pelos coloridos, pela força das mulheres. É isto o que se chama HOMOFOBIA, que em sua raiz é alimentada pela misoginia (isto é, o horror ao que é feminino).

Ao contrário do que muitos pensam, a homofobia não aparece apenas nos casos de violência física e morte, como evidenciaram os 198 assassinados em 2009. Na grande maioria das vezes, ela se firma nas atitudes despretensiosas e cotidianas, porque ela passa a ser legítima, justificada, de direito. O problema é que a legitimidade, a justiça e o direito não são isonômicos, nem bilaterais, nem equânimes. E seria um enorme equívoco trazer Brecht ao texto apenas para retratar Marcelo Dourado, quando se pode fazer mais que isso. Brecht mostrava a relação entre líderes e liderados, criticando – nas entrelinhas – o líder de sua época, Adolf Hitler, bem como os milhares de alemães que o apoiaram. O poema de Brecht não é conformista. Em outras palavras, o que se espera com ele não é que entoemos cânticos porque o povo brasileiro conseguiu eleger seu totem ao posto de “Grande Irmão”, mas antes, inspirar outros muitos brasileiros que lutam contra o que este “Grande Irmão” representa, outros muitos que brigam por justiça de fato, por direitos iguais, por isonomia, pelo direito à vida e à liberdade, pela cidadania plena, geral e irrestrita.

Marcelo Dourado poderá ostentar o título de “Big Brother”. Que seja o big brother vencedor; todavia, não meu. Não posso chamar de “brothers” pessoas com as quais não possuo o mínimo de afinidade, empatia, sintonia. Dourado de fato não é meu irmão; Não compartilho de suas ideias, discordo de seu modo de ver o mundo e as pessoas, repudio os símbolos nazistas tatuados em seu braço, disfarçados pela origem oriental na Antiguidade. Acho que ninguém nascido depois da década de 1930 tenha legitimidade para ostentar a suástica, por mais que sua origem seja bem longe e bem anterior aos campos de concentração da Alemanha. Isto é, para mim, no mínimo, falta de ética. Não tenho motivos para acreditar que ele seja, de fato, um “Grande Irmão”. Aqueles a quem tenho por irmãos sabem que é feio e covarde bater em mulheres; que respeito é discordar sem apontar e julgar; que AIDS não dá em poste, mas em seres humanos: homossexuais, bissexuais e heterossexuais. Meus brothers não são agentes da ignorância, mas pivôs do respeito, do conhecimento e do amor ao próximo. Por fim, Marcelo Dourado, mesmo ganhando o reality show da Rede Globo, não pode ser meu irmão; não bebemos da mesma fonte, não temos os mesmos gostos, nem os mesmos hábitos e nem a mesma educação, não descansamos sobre a mesma consciência e não sentamos juntos na mesma mesa. Até mesmo porque, cá entre nós, não suporto arrotos durante as refeições; a minha alma respira elegância, e o meu espírito, definitivamente, não é o de porco.

4 comentários:

  1. Muito Bom! Esse cara é só um totem daquilo que prevalece na sociedade brasileira: racismo, machismo, misoginia e homofobia. Ele é o grande heroi dos brasileiros entalados com "essa história" de respeito às diferenças. Lamentável!

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  2. Ao ler o texto acima, deparei com uma realidade que até então, nao era de tamanha grandeza. Agradecido estou pelo texto, e pela reflexão que o mesmo vem trazendo aos milhões de "irmãos enganados ou não" pela mídia. Tal vitória a m. Dourado, é definitivamente, RIDICÚlA, e só vem acrescentar numa sociedade, que elege um color novamente, que nos dá um título de grande irmão, que de fato meu irmão no linguajar "hétero" dele, NUNCA SERÁ. Uma lástima, isso sim, até agora me impressiona o fato do casal Nardoni ter sido acusado, numa juistiça lenta, cega e equivocada como a brasileira, e o que me assusta é a população que se deixa manipiular por tal veículo. Amo meu país e me orgulho de ser brasileiros, porém, IRMÃOS, ACORDEM, Nao vivemos num Reality e sim na vida real, onde há mortos, e pessoas com sentimento, parem, pensem e reflitam no que suas atitudes/votos, podem repercurtir na sociedade na qual, nos mesmo somos as vítimas. Felipe Pontes.

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  3. olá Leandro, Adorei reencontrá-lo. Quanto tempo? Fiquei muito feliz. Beijos Débora Renault

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  4. Por acaso descobri este texto no Google e me deparei com uma das coisas mais toscas já lidas por mim. Sou hétero, tenho amigos, conhecidos homossexuais, gosto de alguns deles. Homofobia foi uma coisa que o Dourado não mostrou nesta edição do Big Brother. Podem falar que ele foi grosso, mal educado, bobo e feio, mas homofóbico ele não foi. Se estão pensando no dia que ele se retirou da conversa do Serginho etc, que estavam falando de baladas gays, ele tem o direito de não gostar. Não faço o que não gosto. Dentro da lei, sempre. Falando em lei, numa dessas passeatas gays que tiveram em Copacabana, eu estava trabalhando na rua e o tema era "Homofobia, criminalização já" (ou algo assim). Eis que eu, com roupa social do trabalho escuto mais de uma dezena de cantadas de "marmanjos". Eu posso ser cantado por um homem no meio do meu expediente, mas se eu ficar com raiva dessa situação eu estou errado? Sou homofóbico? Aí é que está a correlação com o texto. A maioria dos homossexuais se faz de vítima, que sofre muito com os Dourados da vida, mas quando estão em um evento que é para o bem deles, se comportam como veados no cio e tentam "converter" qualquer hétero que está pela rua... Educação seria a solução para todos esses casos. O homossexual não canta o hétero e o hétero não se revolta com o homossexual. Todos se respeitando. Será que o homossexual conseguiria? Eu consigo. Abraços

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